sábado, 18 de outubro de 2014

CRÔNICA (WI)

Ava Gardner e
Carlos Augusto
Wilson Ibiapina*

Ayrton Rocha enviou-me de Fortaleza um CD com músicas selecionadas por ele na voz do saudoso cantor cearense Carlos Augusto. Ao ouvi-lo lembrei da história, até hoje não explicada, de que o cantor cearense teria negado fogo num encontro amoroso com Ava Gardner.

A famosa atriz norte-americana nasceu em Grabtown, na Carolina do Norte. No livro biográfico de Frank Sinatra, escrito por Bill Zehme, foi apresentada como a “mulher-criança e deusa libertina, de olhos cor de esmeralda e pés descalços, que fora casada com Mickey Rooney, Artie Shaw” e que quase leva Frank Sinatra à loucura. Aos 26 anos já era uma estrela de primeira grandeza.

Nos anos 50 era vendido no comércio um copo longo para uísque com três inscrições: na marca de uma dose estava escrito mulher, homem para duas doses e, quase na boca do copo, estava lá: Ava Gardner.

Segundo o jornalista norte - americano Bill Zehme, da revista Esquire, Ava “flertava bem, fumava muito, adorava esportes sanguinários, xingava bem, gostava de espaguete, de sexo e sabia colocar o dedo direitinho na ferida”.

Ela desembarcou no Rio em 1954 para promover seu filme Condessa Descalça. Estava com 34 anos e no auge da carreira e da fama. O Rio de Janeiro que sempre se desmanchou aos pés de celebridades, na época ainda mais provinciano do que hoje, enlouqueceu com a chegada da atriz.

Fazia pouco tempo da morte de Getúlio Vargas e os agentes de segurança temiam que o país fosse abalado por uma revolução. O tumulto de fato ocorreu, mas foi provocado pela presença dela. A confusão começou no aeroporto do Galeão. A multidão rompeu o cordão de segurança.

Ela se queixou muito das “mãos bobas”. Depois de muito sufoco e empurra-empurra, Ava conseguiu entrar num táxi. Mas o carro não dava partida. Ela, nervosa, tirou o sapato do pé e bateu na cabeça do motorista. E lá se foram rumo ao hotel Glória.

Ava Gardner não gostou nada do apartamento que lhe foi reservado. Conta-se que ela quebrou tudo que havia no quarto depois de discutir com o gerente que a expulsou de lá. Os jornalistas Sérgio Augusto e Henrique Veltman, que presenciaram toda a confusão, ajudaram Ava a levar suas malas para o Copacabana Palace. Foi lá que ele conheceu o cantor cearense Carlos Augusto.

Garotão bem apanhado, voz bonita, revelado por Ary Barroso, estava fazendo sucesso, viajando pelo país ao lado de Emilinha Borba. Trabalhava como crooner da orquestra do maestro Copinha. Cantava no Golden Room do Copacabana Palace. Foi lá, tomando um drinque, que Ava se interessou por ele.

Apesar da fama de conquistador, quando a atriz o convidou para ir até o apartamento dela, ele se intimidou. Ele estava diante do que o cineasta francês Jean Cocteau chamou de o “animal mais belo do mundo”. Qualquer um tremia, principalmente sendo escolhido por ela. Assim mesmo, depois de muita insistência, eles subiram.

O que aconteceu lá só os dois sabiam, mas a malícia do povo não se contentou com o silêncio deles. Os fofoqueiros de plantão colocaram a imaginação para funcionar. Uns diziam que ele negou fogo, brochou e acabou sendo expulso do apartamento. Há quem jure, como o Ayrton Rocha, que o machão cearense foi lá e domou a fera. Ava morreu em 25 de janeiro de 1990.

Em sua autobiografia a estrela escreveu sobre a passagem pelo Rio, mas apenas explicou o problema ocorrido no hotel. Não dedicou uma só linha sobre qualquer caso amoroso.

Veja: “A United Artists não tinha nos colocado no hotel que eu havia pedido, mas sim numa espelunca que cheirava a fumaça e tinha mais queimaduras de cigarro do que a Carolina do Norte inteira. Por isso me mudei calmamente para o hotel que eu queria.

Na manhã seguinte, no entanto, os jornais contaram uma história completamente diferente. Eu tinha chegado bêbada, fazendo confusões, descalça (era verdade que eu tinha chegado descalça, pois o salto do meu sapato quebrara quando fui amassada por uma multidão no aeroporto). Eu destruíra meu quarto, e a gerência do hotel, para provar a coisa, logo chamou fotógrafos, sem ter outra opção a não ser me expulsar.

O que realmente aconteceu foi que o hotel, numa espécie de vingança por eu ter decidido me mudar, contratou um verdadeiro exército destruidor menos de uma hora depois que saí. Quebraram todos os espelhos, atiraram garrafas de uísque por toda parte, destruíram a mobília, arrasaram literalmente com tudo.

Nem vamos considerar que eu não teria conseguido fazer todo aquele estrago mesmo com machados e uma semana para trabalhar. Todos acreditaram nas manchetes. Nem uma entrevista à imprensa e nem uma desculpa do governo brasileiro fizeram com que a verdade vencesse a mentira nos jornais do mundo inteiro.”

Como ela não se explicou, as histórias ganharam versões. Carlos Augusto teria sido ameaçado pelos seguranças da atriz, que prometeram castrá-lo caso abrisse a boca. Ayrton Rocha, que foi contemporâneo dele e de suas irmãs Cleide e Adamir Moura, duas vozes lindas que fizeram sucesso como as Irmãs Vocalistas, conta que Ava Gardner e Carlos Augusto foram além de uma noite de prazer. “Tiveram, sim, um romance de muito uísque e grande paixão.”

Segundo ele, os dois seguiram do Rio para Buenos Aires, onde teria surgido um fato novo. O produtor americano de Ava, que viajava com eles, era apaixonado por ela e ninguém sabia. Na capital argentina, o cara se descontrolou e explodiu seu ciúme. Atirou em Carlos Augusto que escapou por pouco. Foi quando ele decidiu retornar, deixando aquela perfeição de mulher e um amor impossível.

Seja como foi, Carlos Augusto, que morreu em outubro de 1968 aos 36 anos num acidente de carro perto de Fortaleza, nunca desmentiu nem afirmou essa história que virou lenda no Rio. Quando lhe perguntavam sobre aquela noite no Copa – comeu? Ele, com olhar enigmático, apenas esboçava um sorriso, como quem diz: “O que você acha?”.


 *Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ

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