domingo, 2 de fevereiro de 2014

LÍNGUA DE CAMÕES


SÉRIE
DESLIZES DA ESCRITA
Impropriedades do Discurso
(3 de 4)
Por Vianney Mesquita*


A Ciência é o cemitério das ideias mortas. (UNAMUNO, Miguel – Bilbao, 20.09.1864; Salamanca, 31.12.1936).


Panaceia não é Deusa

Mestrando, achando pouco o número de habitantes do Olimpo, resolveu criar outro. Depois de muito pesquisar em noites insones, teve seu Eureka!
Inventou, então, a “divindade” Panaceia, definindo-a como protetora dos doentes, responsável pela cura de todos os males dos seus cultores.

A nova “deidade”, entretanto, não possui registro em nenhuma mitologia.

Panaceia, conforme qualquer obra de referência ou sítio da rede mundial de computadores, é remédio para todos os males, preparado farmacêutico com propriedades gerais, e não uma diva mitológica.

Incrível, contudo, é o fato de que, conquanto alertado a respeito desta inexatidão, o autor insistiu na defesa de sua criação. Os membros da Banca não perceberam o equívoco. O escritor pretende, no momento, publicar o ensaio sob a forma de livro, esperando-se que à correção seja, então, procedida.


Lobo do Homem

Hobbes
É muito comum o fato de atribuir-se a Thomas Hobbes e menos a Francis Bacon (Visconde Auban; *Strand, 22.01.1561;+ Highgate – UK, 09.04.1626) a caracterização do homem como lobo dele próprio (Homo homini lupus).

Hobbes, filósofo, matemático e teórico político inglês (*Malmesbury, 05.04.1588; +Derbyshire, - UK, 04.12.1679), desenvolveu, com detalhes, esta ideia no O Leviatã (1651).

A sentença, entretanto, não é sua, pois já registrada no Asinaria II, de Tito Maccio Plauto (254 – 184. a. C). Os antigos já sabiam, pois, que o homem é destruidor do próprio homem.

Enganos como esse são corriqueiros. Em livro recentemente publicado, o escritor atribui a autoria da dicção romana homo faber à filósofa tedesca Hannah Arendt (*Hanover, 14.10.1906; +Nova Iorque, 04.12.1975).

A expressão Homo faber procede de Henri Bergson, para designar o homem primitivo posto na Natureza, mostrando ser preciso que ele próprio trabalhe seus grosseiros utensílios, indispensáveis a sua manutenção (BERGSON, Henri – *Paris, 18.10.1859; + 04.01.1941).

Camilo Castello Branco
Até os clássicos se enganam, consoante sucedeu com Camilo Castello Branco (*Encarnação-Lisboa, 16.03.1825; + São Miguel de Seide – Famalicão, 01.06.1890) – referido por Agripino Grieco, em Disparates de todos nós, Rio de Janeiro: Conquista, 1968 – que creditou a Quinto Horácio Flaco o dito de Apeles, em Caio Plínio Segundo (História natural) – “Sapateiro, não vá além das sandálias” -  Ne, sutor, ultra crepidam! (GRIECO. Paraíba do Sul, 13.10.1889; Rio de Janeiro, 25.08.1973).

Graciliano Ramos
Em compensação, Apeles (Plínio, o Antigo) vingou-se de Camilo por intermédio dos editores de Graciliano Ramos (* Quebrângulo-AL, 27.10.1892; + Rio de Janeiro, 20.03.1953), que aproveitaram do autor de Amor de Perdição o título da obra  Memórias do Cárcere. O livro de Camilo Castello Branco foi publicado em 1862, ao passo que o do Escritor alagoano veio a lume no ano seguinte ao da sua morte – 1954. (ID.IB.).


Rádio e Radioatividade

Mestrando atribuiu, na versão inicial de seu ensaio para defesa, a descoberta do rádio – meio de comunicação – ao casal Pierre e Marie Currie. Ganhadores do Prêmio Nobel de Física em 1903 (com Antoine Henri Becquerel) e de Química (ela) em 1911, eles descobriram os elementos químicos radioativos denominados rádio e polônio (CURRIE, Pierre - *Paris, 15.09.1859;+ 19.04.1906; CURRIE, Marie - * Varsóvia, 07.11.1867; + Passy – França, 04.07.1934; BECQUEREL, A. H. *Paris, 13.12.1852; + Le Croisic – França, 25.08.1908).

A descoberta do rádio – meio de comunicação – diversamente do que informa o ensaísta, decorreu da conjunção dos esforços teóricos de Henrich Rudolph Hertz, James Clerk Maxwell, Michael Faraday e Benjamim Franklin. Foi, porém, Guglielmo Marconi (Prêmio Nobel de Física de 1909) quem realizou a primeira comunicação por telégrafo sem fio – diz a História - entre França e Inglaterra, em 1899 (MARCONI, Guglielmo. * Bolonha, 25.04.1874; +Roma, 20.07.1937).

Roberto Landell de Moura
Seis anos antes, entretanto, o sacerdote católico brasileiro e cientista da Física e da Química, Padre Roberto Landell de Moura (*Porto Alegre, 21.01.1861; +30.06.1928), fez demonstração do telégrafo sem fio em São Paulo, numa distância de cerca de oito quilômetros, quando, diz Antônio Costella (Comunicação – do grito ao satélite. São Paulo: Mantiqueira, 1978), as investigações de Marconi ainda engatinhavam [HERTZ, Heinrich Rudolph. * Hamburgo, 22.02.1857; + Bonn, 01.01.1894; MAXWELL, James Clerk. *Edimburgo, 13.06.1831; Cambridge, 05.11.1879; FARADAY. Michael. *Newington, 22.09.1791; + Hampton Court, 25.08.1867;FRANKLIN, Benjamin. *Boston, 17.01.1706; +Filadelfia, 17.04.1790].

Santos Dumont
Não demora lembrar, por oportuno, o fato de que, em iguais circunstâncias, ocorreu com Santos Dumont (DUMONT, Alberto Santos. (*Santos Dumont-MG, 20.07.1873; +Guarujá-SP, 23.07.1932) em relação aos Irmãos Wright, no concernente ao enredo da aviação, e que o telégrafo sem fio foi o precursor do rádio. (WRIGTH, Orvile - *Dayton-Ohio, 19.08.1871; +30.01.1946; -WRIGTH, Wilbur - *Millville – Indiana, 16.04.1867; Dayton, 30.05.1912).


*Vianney Mesquita
Professor da UFC
Escritor e Jornalista
Membro da Academia Cearense 
da Língua Portuguesa

Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ

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