SÉRIE
DESLIZES DA ESCRITA
Impropriedades do Discurso
(4 de 4)
(4 de 4)
Por Vianney Mesquita*
"Os escritores superficiais, como as toupeiras, julgam frequentemente ser profundos, quando estão, no entanto, demasiadamente perto da superfície". (SHENSTONE, William – West Midlands – UK - 18.02.1714; 11.02.1763)
Os exemplos deste
módulo da série de artigos são anteriores à edição da obra A Escrita Acadêmica
– acertos e desacertos. O texto foi preparado para servir de base a uma
palestra por mim proferida na Academia Cearense da Língua Portuguesa, porém faz
parte da mencionada edição, com modificações.
Eis que o escrito é
reeditado, para rematar esta série de textos, ora publicado pelo blog da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, como demonstrativo dos dislates,
muita vez, até hilariantes, da colheita dos meus consultantes na seara
universitária.
Cuidei, entretanto, de
desdobrar, sem prejuízo do móvel da série - transposição dos escorregos de toda
ordem em trabalhos universitários –as passagens histórico-culturais, aduzindo
informações relevantes, talvez não consabidas pelos leitores.
“Casamento” da Santa
Casa
Aforismo popular ensina: A bodas e a batizado não vá sem ser convidado.
Este substantivo feminino, aplicado quase
sempre no plural (como, por exemplo, calças, bermudas, óculos, cuecas e muitos
outros), procede do latim vota, votum e significa EXCLUSIVAMENTE, com pronúncia
fechada (ô), celebração de casamento, festa, geralmente com banquete, para
solenizar matrimônio.
As bodas de que mais
se tem notícia são as de Caná, referidas na Escritura Sagrada. Outras, menos
célebres – registradas nos compêndios de História e Arte – inspiraram pintores
como Rafael Sânzio (As Bodas de Psique, do Palácio Farnésio – Roma),
Eugéne Delacroix (Boda Judaica em Marrocos – Louvre) e David Teniers (Boda Campestre, dois quadros – Munique e Dresden), entre outros artistas.
Eugéne Delacroix (Boda Judaica em Marrocos – Louvre) e David Teniers (Boda Campestre, dois quadros – Munique e Dresden), entre outros artistas.
Em um casamento na
cidade galileia de Caná, consoante refere o Novo Testamento, Jesus Cristo
operou o primeiro milagre, ao transformar água em vinho. Este prodígio
sensibilizou, por exemplo, o talento inventivo de Paolo Caliari (Veronese) a
pintar o notável Bodas
de Caná, no qual inclui personagens de nomeada, como o Marquês de Pescara (Fernando Francisco de Ávalos Aquino y Cardona), Leonor de Áustria (rainha de França) Tintoreto (Jacopo Robusti) e Ticiano (Veccelio).
[SANZIO, Rafael. *Urbino, 06.04.1483; + Roma, 06.04.1520; DELACROIX, Eugène. *Saint-Maurice, 26.04.1798; +Paris, 13.08.1863; TENIERS, David. *Antuérpia, 15.12.1610; +Bruxelas, 25.04.1690; VERONESE – Paolo Caliari. *Verona, 02.02.1528; +Veneza, 19.04.1588; LEONOR DE ÁUSTRIA. *Bruxelas, 15.11.1498; +Talavera, 25.02.1558; TINTORETTO – Jacob Robusti. *Veneza, 29.09.1518; +Veneza, 31.05.1594; TICIANO Vecelio. *Pieve di Cadore, ? - ?; + 1485; +Veneza, 27.08.1576; Marquês de Pescara.*Nápoles, ? - ? – 1489; + Milão, 04.11.1525].
de Caná, no qual inclui personagens de nomeada, como o Marquês de Pescara (Fernando Francisco de Ávalos Aquino y Cardona), Leonor de Áustria (rainha de França) Tintoreto (Jacopo Robusti) e Ticiano (Veccelio).
[SANZIO, Rafael. *Urbino, 06.04.1483; + Roma, 06.04.1520; DELACROIX, Eugène. *Saint-Maurice, 26.04.1798; +Paris, 13.08.1863; TENIERS, David. *Antuérpia, 15.12.1610; +Bruxelas, 25.04.1690; VERONESE – Paolo Caliari. *Verona, 02.02.1528; +Veneza, 19.04.1588; LEONOR DE ÁUSTRIA. *Bruxelas, 15.11.1498; +Talavera, 25.02.1558; TINTORETTO – Jacob Robusti. *Veneza, 29.09.1518; +Veneza, 31.05.1594; TICIANO Vecelio. *Pieve di Cadore, ? - ?; + 1485; +Veneza, 27.08.1576; Marquês de Pescara.*Nápoles, ? - ? – 1489; + Milão, 04.11.1525].
Resulta impróprio, por
conseguinte, proceder como um docente-livre de Fortaleza – universidade grande
– campus de Porangabuçu – em livro de crônicas e artigos, ao parabenizar a
Santa Casa de Misericórdia da Capital do Ceará pela passagem das bodas de ouro
desse hospital; ou como um colunista diário, que se referiu, em 2008, às bodas
de esmeralda (40 anos) da conquista, pela Seleção Brasileira, do título de
tricampeão mundial de futebol, em 1970.
No primeiro caso, a inconveniência foi sanada. No outro, advertido, o jornalista registrou, agradeceu e não mais incorreu no erro.
No primeiro caso, a inconveniência foi sanada. No outro, advertido, o jornalista registrou, agradeceu e não mais incorreu no erro.
Não será de todo
inócuo, decerto, dissolver certa confusão que alguém faz, também, relativamente
a bodas e jubileu.
Jubileu procede do
hebraico jobel, por meio do grego iobelaios e do latim jubilaeu. Consoante as práticas
mosaicas – nesta parte inseridas no livro do Levítico – “Declarareis santo o
quinquagésimo ano e proclamareis o perdão das dívidas no país para todos os
habitantes. Será para vós um jubileu”. (Lev.25.10).
Com efeito, em 50
anos, havia grande e pública solenidade na qual cada um tomava posse das
heranças, as dívidas eram perdoadas e os escravos alforriados, sendo aquele ano
consagrado ao Senhor. (LELLO, J. LELLO, E., 1983).
Obedecendo a essa
configuração histórica, jubileu passou a ser, também, a indulgência plenária e
geral (em desuso) concedida pelo Papa e em circunstâncias especiais, seguidas
de grandes festas. Por extensão, jubileu significa, ainda, o conjunto de
merecimentos para que se obtenha este favor.
Mais extensiva se foi
tornando a adoção desse nome como designativo ao quinquagésimo ano de casamento,
do exercício de uma função, do tempo durante o qual uma pessoa reside em
determinado local etc., tendo, atualmente, descaracterizado sua procedência
bíblica, ao ponto de ser admissível, pela aplicação consagrada, tê-lo como
indicativo de qualquer aniversário solene.
É fácil, pois, notar
ser bem mais permissível de se empregar do que o substantivo boda.
De tal sorte, teria
sido válido se houvesse o dito professor grafado Jubileu da Santa Casa de Misericórdia,
aqui na sua conotação hebraica (50 anos). Também lícito, caso o colunista de O
Povo (Fortaleza) tivesse escrito “Jubileu de 40 anos da conquista, pelo Brasil,
do título de tricampeão mundial de futebol”.
Por fim, é bom também
se dizer, não tem abono a relação jubileu-matéria física (metal ou não), como
Jubileu de cristal, ou Jubileu de ouro (conforme está em placa comemorativa dos
50 anos da Faculdade de Educação da U.F.C.) como aniversário de qualquer
pessoa, evento ou coisa, ficando tal associação apenas para boda/casamento.
Faixa etária
Por inacreditável como
parece, alguém utiliza, ab hoc et ab hac, a expressão faixa etária sem atentar
para o seu significado preciso, isto é, intervalo de idade empregado para a
categorização dos sujeitos de uma pesquisa com relação à variável tempo de vida.
Desta forma, o
pesquisador pode, em lugar de declarar a idade de cada um dos sujeitos,
agrupá-los em classes, como, por exemplo, de zero a cinco anos, de seis a dez
anos e por diante.
Diz-se, então, que
alguém está situado na faixa etária de zero a cinco anos. É impróprio,
evidentemente, assinalar, como é corrente acontecer, que uma pessoa está na faixa
etária dos vinte anos.
A esse respeito, em
artigo para submeter ao Conselho Editorial de uma revista, estava o seguinte: A
amostra constou de homens e mulheres saudáveis, com idade entre 20 e 60 anos. O
maior percentual de mulheres registrou-se na faixa etária de 30 a 45 anos (aplicação
certa) enquanto a percentagem maior de homens situou-se na DÉCADA de 50 a 60
anos (expressão realçada).
Somente o descuido
pode imprimir tal impropriedade.
Um pouco de atenção de
quem escreve é o suficiente para que tais deslizes sejam evitados. Apenas esta
desatenção explica o ocorrido com o escritor e historiógrafo lusitano Antônio
José Saraiva (*Leiria, 31.12.1917; Lisboa, l7.03.1993).
O autor de Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval, História da Literatura Portuguesa, entre outras obras, fez referência a [...] um mundo duvidoso, meio decadente, meio elegante, meio vicioso, que frequenta determinados salões.
O autor de Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval, História da Literatura Portuguesa, entre outras obras, fez referência a [...] um mundo duvidoso, meio decadente, meio elegante, meio vicioso, que frequenta determinados salões.
Esse visibilíssimo
engano conduziu Agripino Grieco (Op.Cit., 23) a comentar com sarcasmo: “[...] vê-se
que tal mundo dispõe de três metades, é um mundo e meio[...].
REFERÊNCIAS
BARRETO, J.A.
Esmeraldo; MESQUITA, Vianney. A Escrita Acadêmica - acertos e desacertos.
Fortaleza: Prog. Edit. Casa de José de Alencar da U.F.C., 1997.
BÍBLIA SAGRADA. Jo. 2,
1-11 (Bodas de Caná). Trad. João Ferreira de Almeida. LCC Publ. Eletrônicas –
http//www.culturabrasil.pro-ler.
COSTELLA, Antônio
Fernando. Comunicação – do grito ao satélite. São Paulo: Mantiqueira, 1978.
DELLA NINA, A. Dicionário
da sabedoria. São Paulo: Fittipaldi,
1985.
GRIECO, Agripino. Disparates
de todos nós. Rio de Janeiro: Conquista, 1968.
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