Brincadeira de Criança
Por
Fernando Dantas*
Estava
a conversar com um dos confrades de nossa Academia Cearense de Literatura e
Jornalismo, e eis que surgiu na mesa de debates a proposta de eu escrever algo
que nos remetesse à infância. Eis que aqui estamos.
Todos
passamos pelo período da infância. Mas muitos apenas passam e não vivem
intensamente esta fase mágica e lúdica da vida. E, com certeza, os adultos de
hoje que não foram crianças, e que não guardam dentro de si memórias e
fantasias, são muito mais duros e infelizes. São pessoas que não sonham e que não
exercem a criatividade.
Mas
relembrando minha infância, não esqueço dos primeiros momentos desta fase, no
Rio de Janeiro, onde nasci e morei até meus sete anos. Na rua Magé, no bairro
da Penha, conheci as primeira brincadeiras, como a bola de gude e a pipa. As
pipas eram brincadeira de meninos mais velhos, devido aos perigos inerentes. Já
as bolas de gude, uma
brincadeira saudável, e que os menores, como eu, podiam brincar na rua ou
dentro de casa.
As
bolas de gude foram trazidas ao Brasil pelos portugueses. O termo “gude” vem da
palavra godê, que significava bolas arredondadas. Esta brincadeira não é tão
nova assim entre os meninos. Os relatos arqueológicos dão conta de que as
mesmas já existiam no antigo Egito no ano 3.000 AC e na Grécia antiga no ano 2.000
AC. Eu não brinquei naquela época, mas
tive contato com as bolinhas coloridas de vidro na década de 70 do século XX.
Aos
7 anos minha família se mudou definitivamente do Rio de Janeiro para o Ceará. E
aqui nas terras alencarinas o que antes conhecia como bola de gude e pipa,
mudaram seus vocabulários para bila e arraia. No começo estranhei. Mas depois
descobri que o mais importante não são os regionalismos excludentes, mas o
prazer que a brincadeira proporciona.
Em
Camocim, na rua Santos Dumont, já brincava com as bilas disputando com os
amiguinhos. Na frente de casa havia um campo de futebol, ao lado da prefeitura
municipal onde marcávamos os buracos e iniciávamos as disputas. Mesmo como
criança, surgia dentro de nós o espírito de competição e de conquista.
Mas
foi na cidade de Aracati, para onde nos mudamos
quando eu tinha 10 anos, em 1981, que me interessei mais ainda por esta
saudável brincadeira. Nem mais me lembrava do que era bola de gude. Mas sabia o
que eram as bilas. E quanto mais tinha, mais queria. Porém, mais gostoso do que
comprar, era mesmo ganhá-las jogando com os amigos.
As
pequenas esferas de vidro brilhante me encantavam. Eram de diversas cores.
Azuis, verde-claras e escuras, brancas e transparentes. Na velha Aracati, o
palco das disputas já não era mais um campo de futebol, mas os canteiros da Rua
Coronel Alexanzito onde eu morava. Após as aulas no Colégio Salesiano, o
encontro era certo nos canteiros. Vestidos de bermudas com os bolsos cheios de
bilas, e latas não menos lotadas, buscávamos conquistar mais bolinhas para
nosso deleite.
As
maneiras de jogar eram diversas. Mas o ponto alto era jogar com força suficiente
para quebrar a bila do adversário. E a força se impunha no jogo. Logo
inventaram o “cocão”, uma bila maior de vidro branco, que era detonadora.
Consegui algumas destas, mas só fiquei mais feliz quando comprei o que havia de
mais moderno e eficiente em termos de bilas: eram as desejadas esferas de
rolamento de trator, que eram de ferro. Estas, sim, verdadeiramente poderosas.
Objetos de desejo de poucos, que cheguei a conquistar.
Enfim,
as conquistas de adulto passam pelos aprendizados das brincadeiras de criança
de outrora.
*Fernando Dantas
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeora de nº 19 da ACLJ
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