quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

CRÔNICA

Brincadeira de Criança
                                             Por Fernando Dantas*


Estava a conversar com um dos confrades de nossa Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, e eis que surgiu na mesa de debates a proposta de eu escrever algo que nos remetesse à infância. Eis que aqui estamos.

Todos passamos pelo período da infância. Mas muitos apenas passam e não vivem intensamente esta fase mágica e lúdica da vida. E, com certeza, os adultos de hoje que não foram crianças, e que não guardam dentro de si memórias e fantasias, são muito mais duros e infelizes. São pessoas que não sonham e que não exercem a criatividade.

Mas relembrando minha infância, não esqueço dos primeiros momentos desta fase, no Rio de Janeiro, onde nasci e morei até meus sete anos. Na rua Magé, no bairro da Penha, conheci as primeira brincadeiras, como a bola de gude e a pipa. As pipas eram brincadeira de meninos mais velhos, devido aos perigos inerentes. Já as bolas de gude, uma brincadeira saudável, e que os menores, como eu, podiam brincar na rua ou dentro de casa.
 
As bolas de gude foram trazidas ao Brasil pelos portugueses. O termo “gude” vem da palavra godê, que significava bolas arredondadas. Esta brincadeira não é tão nova assim entre os meninos. Os relatos arqueológicos dão conta de que as mesmas já existiam no antigo Egito no ano 3.000 AC e na Grécia antiga no ano 2.000 AC.  Eu não brinquei naquela época, mas tive contato com as bolinhas coloridas de vidro na década de 70 do século XX.

Aos 7 anos minha família se mudou definitivamente do Rio de Janeiro para o Ceará. E aqui nas terras alencarinas o que antes conhecia como bola de gude e pipa, mudaram seus vocabulários para bila e arraia. No começo estranhei. Mas depois descobri que o mais importante não são os regionalismos excludentes, mas o prazer que a brincadeira proporciona.

Em Camocim, na rua Santos Dumont, já brincava com as bilas disputando com os amiguinhos. Na frente de casa havia um campo de futebol, ao lado da prefeitura municipal onde marcávamos os buracos e iniciávamos as disputas. Mesmo como criança, surgia dentro de nós o espírito de competição e de conquista.

Mas foi na cidade de Aracati, para onde nos mudamos  quando eu tinha 10 anos, em 1981, que me interessei mais ainda por esta saudável brincadeira. Nem mais me lembrava do que era bola de gude. Mas sabia o que eram as bilas. E quanto mais tinha, mais queria. Porém, mais gostoso do que comprar, era mesmo ganhá-las jogando com os amigos.

As pequenas esferas de vidro brilhante me encantavam. Eram de diversas cores. Azuis, verde-claras e escuras, brancas e transparentes. Na velha Aracati, o palco das disputas já não era mais um campo de futebol, mas os canteiros da Rua Coronel Alexanzito onde eu morava. Após as aulas no Colégio Salesiano, o encontro era certo nos canteiros. Vestidos de bermudas com os bolsos cheios de bilas, e latas não menos lotadas, buscávamos conquistar mais bolinhas para nosso deleite.

As maneiras de jogar eram diversas. Mas o ponto alto era jogar com força suficiente para quebrar a bila do adversário. E a força se impunha no jogo. Logo inventaram o “cocão”, uma bila maior de vidro branco, que era detonadora. Consegui algumas destas, mas só fiquei mais feliz quando comprei o que havia de mais moderno e eficiente em termos de bilas: eram as desejadas esferas de rolamento de trator, que eram de ferro. Estas, sim, verdadeiramente poderosas. Objetos de desejo de poucos, que cheguei a conquistar.


Enfim, as conquistas de adulto passam pelos aprendizados das brincadeiras de criança de outrora.

*Fernando Dantas
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeora de nº 19 da ACLJ

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