LIÇÃO DIVINA
Por Reginaldo
Vasconcelos*
O jesuítico Papa
Francisco, com franciscanas intenções, no último dia 26 de janeiro, da sacada
do Vaticano, pediu orações pela paz à multidão da Praça de São Pedro, a
propósito de recente chacina perpetrada pela Máfia contra uma família
siciliana.
Ato contínuo, Sua
Santidade recorreu ao simbolismo curial de fazer duas crianças que o ladeavam
na janela vaticana libertarem pombas brancas, as quais deveriam iniciar um voo
olímpico sobre o público, devoto e enlevado.
Aguda ironia do
destino, os dois pássaros foram imediatamente atacados por vorazes predadores
que surgiram do nada, uma gaivota e um corvo, o que, dramaticamente, deu sequência
e aprofundou a semiótica papal, por um viés inusitado.
O quadro descrito
sugere que o sucessor de Pedro fez um caridoso apelo humano, que Deus quis
responder de público com sapientíssimo realismo divino.
A primeira ilação que
se pode fazer sobre o episódio é que apelos de paz são inócuos no conflito de
interesses, fazendo esplender o brocardo latino si vis pacem, para bellum.
De fato, infelizmente,
boas intenções e gestos pios, porquanto evidenciem a existência de uma porção
divina no espírito dos homens, não podem elidir o seu lado bruto, realidade que
se reflete, também assim, na Natureza.
Os bichos competem
entre iguais, e devoram os desiguais, e
é dessa maneira que funciona a biosfera. O homem, que em última análise é o
lobo do homem, procura conter a fera íntima por meio das leis e dos preceitos
místicos, mas enquanto alguns cultivam flores muitos porfiam por poder.
A segunda lição que o
episódio transporta trata dos riscos a que a liberdade expõe a todos. Soltos na
natureza os animais precisam lutar para obter alimento para si, e para não se
transformar em alimento alheio, enquanto sob a proteção humana têm casa e comida
garantidas, proteção, carinho, remédios...
Equinos, caninos e
felinos domésticos, e mesmo as espécies que nos servem de alimento,
provavelmente estariam extintos hoje sem a proteção do ser humano. Sim, a vida
selvagem é dura e cruel – e o homem precisa de limites civilizatórios para
conter o seu lado beluíno.
A moral dessa história
é a seguinte:
O Papa está no seu
papel sacerdotal de orar e pedir orações, mas no mundo dos homens somente a
autoridade rigorosa e a disciplina rígida podem coibir as injustiças. A
liberdade plena não
é benéfica quando expõe os mais fracos e os solitários aos mais fortes ou mais
numerosos – sejam pombos na Natureza, sejam pessoas na sociedade.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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