domingo, 23 de fevereiro de 2014

CRÔNICA

GOTA DE DEUS
Reginaldo Vasconcelos*

Informa-me Vianney Mesquita sobre a dor que experimenta neste momento o nosso confrade Geraldo Jesuíno, pela perda de uma sua irmã muito querida. Eu não a cheguei a conhecer pessoalmente, tendo-a portanto estimado anonimamente dentre as tantas boas almas incógnitas, contemporâneas nossas neste mundo,  pela via do “amor cósmico”, que por meio dos hippies os indianos me ensinaram.  

Mas a notícia me confrange especialmente porque GJ, que me foi dado distinguir da multidão gentil e prezar diretamente, está sofrendo – pessoa tão amorável e de tão depurado caráter que somente a glória e a alegria lhe merecem. Morrer é preciso, como se sabe, mas, em tese, sofrer não é preciso – em paráfrase a Fernando Pessoa.   

Penso que, para quem morre, a morte não é nada – rigorosamente nada. A morte é dolorosa para quem não morre ainda, e fica exposto ao sofrimento, ao sentimento de perda, à dor da separação. Quem morre – não importa se o espírito sobrevive no Éden, se renasce ou se difunde no éter – quem morre não se vai precipitar em sofrimento.

O sofrimento, de qualquer ordem, é inerente à vida, porque tanto as dores físicas quanto as ansiedades e frustrações morais pertencem ao corpo. Quem não tenha que competir por alimento, nem ansiar por sexo, nem decidir o melhor caminho, nem se consumir perante o erro, nada tem a sofrer, e nada precisa temer. A morte, para quem morre, é a antítese da agonia. Toda a dor possível está na vida, entrevista inclusive no medo fátuo de morrer.

Faço sempre uma alegoria sobre a morte. Imagino que Deus seja um oceano de amor, e que cada uma das pessoas sejamos gotas de Deus. Se somos gotas de Deus, nós somos parcelas de Deus, assim como uma gota do oceano, não sendo completamente o oceano, tem a sua composição.

Somos gotas desse mar – umas maiores, outras menores, mais poluídas ou mais puras – mas todos nós um dia voltamos, cada um por vez, a compor aquele manancial divino. Não importa quanto tempo isso demore. Um dia, certamente depois da morte, todos nos reintegramos ao Oceano Absoluto. E tudo então volta a ser apenas paz e harmonia.

Hoje, genuflexo ante da dor do Jesuíno – e um amigo é uma extensão do nosso próprio ser – quero abraçá-lo calorosamente, e em silêncio, que em momentos assim somente a solidariedade física e muda é lenitivo, ainda que tênue. O resto é apenas resignação à voz de Deus. "Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra".

 
*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ   

Nenhum comentário:

Postar um comentário