domingo, 12 de agosto de 2012

A FARRA DAS GREVES

Fui bancário, participei de greves, tive dias de folga remunerada forçados por movimentos paredistas legais, acompanhei “apitaços” pela cidade para obter melhor salário. Hoje, mais vivido, enxergo cum granu salis o direito de greve, que foi ampliado e consagrado pela Constituição de 88.

Na sociedade moderna ocidental, o dito “estado democrático de direito” e o chamado “devido processo legal” primam pela delegação da promoção do bem comum aos poderes estatais legalmente constituídos, aos quais a maioria do povo outorga a função de tomar as decisões políticas, administrativas e jurídicas, no sentido de garantir a paz social e o equilíbrio nas relações entre as pessoas.

Além de eleições democráticas, por meio do voto livre, secreto e universal, o nosso sistema político e o nosso regime de governo disponibilizam o Judiciário para mediar os conflitos e corrigir as distorções, e ainda prevê os institutos do plebiscito e do referendum para a consulta popular extraordinária sobre temas específicos que eventualmente os justifiquem.

Além disso, temos a imprensa livre, o livre direito de expressão do pensamento, a liberdade de contratar, de se reunir para fins lícitos, de se associar, de não se associar e de não se manter associado.

Dispomos de remédios jurídicos especiais como o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança e o mandado de injunção, para coibir qualquer injustiça. Temos a livre iniciativa, as profissões liberais, e temos a legislação trabalhista para proteger os empregados, com foro especial.

O ordenamento jurídico brasileiro ainda prevê o direito de autotutela do isolado cidadão, pelo instituto da legítima defesa, admitindo que de forma imediata defenda a sua vida em face de uma injusta agressão, e que, estando em flagrante e agudo estado de necessidade, use até de violência contra outrem.

Permite também que o cidadão proteja a posse justa sobre imóveis, inclusive por meio do desforço físico pessoal  todas essas, situações excepcionais em que o indivíduo não tem tempo hábil de recorrer ao Poder Público para mediar um conflito instantâneo e garantir sua integridade.

Diante disso, não me parece cabível que a lei ainda admita que grupos de cidadãos de bem, regularmente contratados (segundo a sua própria vontade) por organizações empresariais, se amotinem de repente contra essas organizações que livremente os empregam, e paralisem os seus serviços.

Assim, os grevistas prejudicam a produção e por conseguinte a geração dos tributos, e ainda conturbam a paz social por meio de passeatas, bloqueios e suspensão de serviços essenciais à sociedade, muitas vezes interferindo no sagrado direito de ir e vir de terceiros e tornando proibitivo o exercício de outras profissões que não a sua.

Ora, a menos que falhassem inteiramente todas aquelas salvaguardas republicanas acima descritas, que regulam as condutas pessoais de modo a evitar que cada um precise fazer justiça com as próprias mãos – salvo nos casos excepcionais enumerados – somente nessa remotíssima hipótese de total colapso institucional se poderia admitir a desesperada e violenta medida de quebra coletiva de contratos de trabalho regulares, para forçar melhores condições salariais.

Não sendo esse o caso – por mais que a nossa República ainda seja capenga e que ainda haja falhas graves no sistema público brasileiro – a greve se afigura como uma verdadeira chantagem legalmente produzida por uma maioria de pessoas físicas, para extorquir a solitária pessoa jurídica que as acolhe e as remunera.

A greve, quando criada na frança, no final do Século XVIII, no início da revolução industrial, era de fato uma ótima solução para obrigar os patrões a dar boas condições de trabalho aos empregados, que então não tinham nenhuma proteção legal e sofriam condição análoga à de escravos, em longas jornadas de trabalho, em troca de míseros salários. 

Era portanto naquela ocasião um recurso válido na promoção da democracia e na garantia de direitos sociais. Mas a realidade atual é muito outra, de modo que hoje o direito de greve é extemporâneo.

Mais grave ainda é a greve de servidores públicos, que como muito bem insinuou a Presidente Dilma em pronunciamento recente, são privilegiados sociais, diante de tantos e tantos que mourejam na empresa privada, que não pode dar aos empregados as mesmas vantagens que os entes públicos dão aos seus funcionários, principalmente a benção da estabilidade – para não falar na multidão de desempregados que dariam tudo por uma modesta que fosse colocação profissional.

Foto: Site Edital
É verdade que a Constituição de 88 estende a possibilidade de greve aos servidores públicos, condicionada a regulamentação legislativa (que nunca houve), mas assim mesmo há um equívoco, pois a mesma Carta Magna ressalva a obrigatoriedade de permanência e  continuidade das atividades essenciais.
Pois os serviços públicos, por definição, jamais podem ser supérfluos, dispensáveis, voluptuários. Todos eles, por sua natureza, importam em essencialidade. Segurança, educação, transporte, saúde, tudo isso no âmbito público é absolutamente essencial.

Se é comum que haja sempre déficit de servidores, seja por contenção financeira, seja pelas dificuldades naturais na promoção de novos concursos, não se pode admitir que haja pessoal em demasia, de modo que qualquer paredismo público fere a reserva do indispensável.

Imagem: Simey Lopes
Bastaria que cada categoria apresentasse anualmente em Juízo a sua pretensão salarial, que em caso de não ser espontaneamente atendida pelo respectivo ente empregador, devesse este fazer a demonstração contábil ou orçamentária das reais limitações financeiras de sua folha de pagamentos. Em não o fazendo a contento, então o aumento pretendido seria judicialmente decretado.

Por Reginaldo Vasconcelos        

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