O TEMPO
Pierre Nadie*
O que não se desgasta no tempo de seu tempo, se é no tempo que o tempo se gasta?
Criaturas se consomem, seres vivos deslizam pelo impermanente irreversível ciclo da vida. A “anima” (ânima) que anima a vida encontra-se com o espírito do ser humano, com o qual se integra, essencialmente. E o ciclo, que a “anima” perfaz, traz o sabor que o espírito inspira. Assim, meu caro Sofélio*, somos fecundação do encontro, prazer e alegria, no mundo dos homens.
E os ciclos iniciam-se, a “anima” conduz, já antes do vagido, ao grito de liberdade, quando o espírito desperta para assumir o timão. Sorrisos, choros, escolhas e jornadas, deles apanhamos o cabresto. E um grande campo/seara abre-se para que o administremos, com serenidade, sabedoria e alegria. E começamos o plantio, realizado com a “anima”, porém, comandado pelo “espírito”. E vamos plantando com alegria, às vezes irreverentes, às vezes, até mesmo recalcitrantes, nossos sonhos, utopias. Conosco, as plantações vão crescendo, com os amanhos necessários em cada etapa: tempo de germinar, tempo de regar, tempo de florir, tempo de produzir, tempo de colher.
E, quando os açoites do vento nos sussurrarem que a produção está próxima, talvez queiramos galgar as escarpas de um monte para admirar a vastidão da operosidade do trabalho de nossas vidas. Momento supimpa de valorizar o que plantamos e de nos alegrar com uma bela e opulenta colheita. Nossa “anima” esgarça merencório sorriso, nas nuances que seu tempo processou, mas o “espírito”, mais forte na luta, guerreiro indomável, segue o seu olhar, colhendo a mais exuberante produção de toda a sua vida.
O carinho e o cuidado com as sementes, nascidas de seu viver e nele curtidas com amor, batem à porta do Patrão, a quem ofertam todas essas primícias.
O tempo findou. A colheita terminou. A festa começa, aquela festa da qual ninguém quer nem ousa sair. O limite do ilimitado apresenta-se infinito da eternidade: não se desgasta no tempo do seu tempo, pois não é tempo.
Nota do editor: “Sofélio” (sofia+hélius = sol da sabedoria) é personagem do autor, com quem ele mantém imaginária interlocução.
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