segunda-feira, 7 de junho de 2021

ARTIGO - Individualismo e Individualidade (RMR)

 INDIVIDUALISMO 

INDIVIDUALIDADE
Rui Martinho Rodrigues*
 


 

O sufixo “ismo” passou por transformações semânticas desde suas origens gregas. Tornou-se polissêmico. Pode indicar algo tóxico (tabagismo); movimento político ou doutrina (socialismo); crença religiosa (islamismo), segundo Antônio Houaiss (1915 – 1999) no Dicionário que leva o seu nome. É empregado em sentido pejorativo, como disfunção, por analogia com a Medicina (artritismo). Ativistas do multiculturalismo diferencialista de movimentos identitários o consideram ofensivo.

Individualismo adquiriu um sentido pejorativo, contrário ao nobilitante humanismo. Algumas teorias políticas o associam ao egoísta, que vive exclusivamente para si, com pouca ou nenhuma solidariedade. Outras o relacionam ao apreço pela liberdade e satisfação de inclinações naturais legítimas.

O sentido pejorativo guarda relação como a concepção de sociedade. Quem considera o homem mais inclinado para o mal do que para o bem, ou para a perversidade, quando tenha oportunidade (Nicolau Maquiavel, 1469 – 1527, na obra “O Príncipe”), tende a limitar a liberdade, considerando-a o caminho do egoísmo. Thomas Hobbes (1588 – 1679) também adotou a visão lupina do homem e não por acaso propôs o Estado Leviatã.

O problema da concepção do homem lobo do homem, nas formulações políticas, é que a presunção de torpeza aplicada à maioria dos homens, excepciona o príncipe de virtù. Nisso Maquiavel não é maquiavélico. Não disfarça o elitismo sob o manto do “esclarecimento” ou da “verdadeira consciência”.

O poder corrompe, o poder absoluto corrompe de modo absoluto (John Dalberg-Acton (1834 – 1902). Os homens de virtù, sejam príncipes ou “vanguarda esclarecida” têm o propósito de criar um novo homem, superior aos malvados descritos pelo pensador florentino. A realização deste ato demiúrgico exige a construção de uma sociedade capaz de produzir homens angelicais, tarefa que precisa de poder absoluto. Então corrompem-se de modo absoluto os homens “virtuosos”. 

John Locke (1632 – 1704) evitou estigmatizar o homem como lupino. Recusou também a hipótese do homem angelical. Julgou que fossemos potencialmente lobo e anjo da guarda. Propôs então uma fórmula que propiciasse a liberdade sem deixar de ter alguma proteção contra as manifestações predatórias.

As relações sociais concebidas como do tipo comunitário supõem vínculos sociais rigidamente definidores da totalidade da personalidade. Brasileiros necessariamente gostariam, segundo esta visão, de carnaval e futebol. O afrouxamento das relações comunitárias levaria ao atomismo, situação desagregadora, ao individualismo em sentido pejorativo. O associativismo do tipo comunitário percebe a sociedade como um ente biológico. Órgãos (homens) pertencem a um organismo. Não faz sentido pensar em direitos do fígado como salvaguarda contra o corpo ao qual pertencem. Indivíduo não têm direitos diante do “organismo” social. 

O homem, para os conservadores, pertence a Deus, pátria e família (divisa da Aliança Integralista Brasileira). Revolucionários também negam que o homem pertença a si mesmo, pertencendo a um partido, classe ou grupo identitário. Ambos negligenciam a liberdade. As relações sociais, porém, não são apenas organicistas ou atomistas. Podem ser do tipo societário, um gregarismo no qual pessoas se associam para realizar os seus objetivos. Os sócios de um comércio não criaram a sociedade para servi-la. Ela os serve. Isso preserva a individualidade distinta da sociedade, com direitos que limitam o associativismo. A sociedade democrática é feita para os associados, não o contrário.

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