O medo, o escuro
e a paranoia
Paulo Ximenes*
Uma vida inteira passa desfilando sob o meu olhar atento, e eu aqui acumulando vivências, crendo conhecer o mundo e os seus meandros. Quantas estradas sinuosas, léguas à minha frente, eu julguei haver dominado!
Até hoje não entendi direito por que há dores que, na hora doem, mas que depois ficam leves e até mesmo engraçadas, e por qual motivo a força bruta e atemporal do existir verga conceitos e afronta a lógica elementar. O peso dos anos, que muitas vezes me fez supor que eu fosse um mestre nesse navegar de mares, do nada, deu com os burros n’água.
O peso desses anos todos, vejo agora, nunca me será o bastante para a compreensão das coisas, e se não fora o alastramento da horrenda pandemia da Covid-19 eu não teria percebido com tanta clareza essa zona escura pairando sobre a minha pobre alma humana.
Ao se afastarem as cortinas que encobriam tudo aquilo que eu não podia ver, veio-me abruptamente a constatação de que o instinto da sobrevivência e o medo da “caetana” se impõem sobre outros valores meus (outrora pétreos), como o fulgor das grandes amizades e dos amores invencíveis.
A onda viral desbancou de vez a minha inocente doçura d’álma: estava escrito com todas as letras que não ser contagiado pelo coronavírus seria a palavra de ordem que a assolar qualquer cidadão privilegiado com um mínimo dom de responsabilidade, de amor próprio, de capacidade cognitiva.
Orações, orações e orações. Constante busca da fé. Copos, pratos, talheres, toalhas e lençóis separados. A lavagem das mãos e o uso contínuo das máscaras e do álcool em gel eram praticados em tempo integral, em regime de paranoia, na intimidade supostamente segura do lar. E o alarde constante das ambulâncias e as notícias aterrorizantes da televisão acirravam o clima de pânico.
Contando com 71 anos de idade e portador de hipertensão arterial, eu estava no topo do grupo de risco. Minha filha, que reside em Brasília, achou por bem que eu saísse de casa por uns dias; pelo menos enquanto uma empresa de dedetização e faxina pudesse fazer um rigoroso trabalho de higienização. Foi, então, que ela, inocentemente, me arguiu: “O senhor não poderia ficar uns dois ou três dias na casa de algum parente ou amigo, enquanto a higienização é realizada?”.
Mas o meu bom-senso nunca dorme em serviço: quem, afinal, aceitaria de bom grado hospedar alguém em sua casa que estivesse com a esposa e um filho contagiado pelo vírus? A resposta é tão atroz quanto óbvia:
Ninguém!!!
Em verdade, eu mesmo me incluiria no miolo dessa atrocidade óbvia. Dirigi-me, então, a um pequeno hotel em que me isolei do mundo e das pessoas. Mais tenebroso ainda é ver um mísero vírus pondo os homens de joelhos, fazendo-os renegar ajuda aos que lhe são mais caros.
Creio que um certo transtorno delirante venha
me perseguindo, pois às vezes eu carrego sozinho no pensamento a possibilidade
(absurda?) de serem estas estruturas microscópicas bastante inteligentes...
Afinal elas se modificam em cepas variantes para se adequarem às suas próprias
intempéries, e, segundo uma matéria que li em algum lugar, já estão atacando
também o fígado das pessoas, que é o órgão em que toda a medicação é
processada; dessa forma, os remédios tendem a perder suas eficácias.
Já percebi – e isso é uma observação somente minha – que sempre que eu toco em dinheiro ou em um cartão de crédito (ou qualquer coisa que possa porventura estar contaminada), aparece repentinamente alguma coceira num canto de olho ou na ponta do nariz, porque o vírus parece saber que ali é justamente uma porta para ele entrar no corpo humano. Sim, a paranoia está solta nas ruas.
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