A FLOR DO LÁCIO
Reginaldo Vasconcelos*
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus.
Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido
feito, foi feito sem ele.
Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. (João 1:1-4)
Nada mais adequado no âmbito de uma academia de letras que o sadio debate em torno de Suas Excelências, as palavras do idioma – sua origem etimológica, sua morfologia, sua evolução semântica, seu emprego sintático.
O
idioma vernáculo, a gramática pátria, a filologia, a estética verbal. Enfim, a
transferência da cerebração, ou a sintonia fina da comunicação entre as pessoas
– essa a matéria prima de uma confraria literária, contra a determinista
expressão latina “inania verba”, de que
Olavo Bilac lançou mão.
Semanas atrás, por exemplo, o acadêmico Sávio Queiroz Costa lançou no nosso Grupo de Whatsapp um repto aos demais, instados a revelar qual a história etimológica da palavra “fronha”, e do cognato que ela originou, o verbo “enfronhar”.
Sávio compulsara os mais prestigiosos léxicos modernos da língua portuguesa e notara que todos eles se abstêm de apontar a história exata do vocábulo, dando-lhe como de origem obscura – os dicionários etimológicos se limitando a consignar seu primeiro registro gráfico no Século XIV.
Todavia Sávio encontrara um velho dicionário aceptivo em sua vasta biblioteca que se aventura a tentar estabelecer uma origem ao termo em questão, atribuindo-lhe um hipotético étimo do latim – um achado que o pesquisador pretendia expor e debater com os seus confrades.
De outra feita discutiu-se na ACLJ a correção da expressão “doa a quem doer”, que dá título a um comentário que o nosso confrade Senador Cid Carvalho faz pelo rádio cotidianamente, ao meio dia, há muitas décadas, tratando do assunto mais momentoso do período.
Pela lógica da gramática, o trauma, o ferimento, enfim, a doença dói em alguém identificável, mais especificamente em algum de seus membros ou órgãos físicos, daí a percepção mais linear de que aquela expressão deveria ser “doa em quem doer”.
Porém, prevaleceu na discussão o entendimento de que, no caso da velha e consagrada locução, a qual, nesse exato formato, nos veio de Portugal nas caravelas, não se faz alusão à dor física, mas à dor moral.
Quem diz “doa a quem doer” não refere à doença do corpo, mas à magoa do espírito; não ao sofrimento somático, mas ao incômodo psíquico – e, portando, merece a preposição atributiva, preferível à partícula locativa, neste caso.
Ao receber exemplares do Manual de Redação Profissional da ACLJ, o nosso mais recente confrade, o grande jornalista gaúcho Alexandre Garcia exultou ao perceber que seu nome, assim como o do saudoso Ricardo Boechat, e o de Cid Carvalh0, são nele citados entre os mais bem-falantes homens de imprensa brasileira.
A referida brochura não se arvora de um tratado de gramática, mas pretende, principalmente, orientar, recomendar e disciplinar, nos textos deste Blog e demais edições da Academia, os usos linguísticos abonados pela sua Comissão Editorial, padronizando uma dicção depurada, escoimados os equívocos verbais corriqueiros na imprensa brasileira.
Informado de se constituir o Manual em “obra aberta”, Alexandre Garcia, que é um intelectual de escol, entrou a debater conosco via Whatsapp o conteúdo exemplificativo do livrinho, passando um pente fino em seus supostos equívocos, e dando valiosas sugestões, todas elas acatadas.
Anotou de plano não ter sido ainda o opúsculo contemplado com orientação específica sobre a correta aplicação pronominal pessoal do caso oblíquo – muito desrespeitada pela oralidade nacional – e analisamos, inclusive, detalhes linguísticos que não estão no Manual, e, portanto, ainda são off-label – para usar aqui um anglicismo da moda.
Primeiramente discutimos sobre se o correto seria se dizer “informar-lhe” ou “informá-lo”, neste último caso considerando ser o verbo informar “transitivo direto” – quem informa, informa alguém. A pesquisa nos mostrou que ambas as formas estão certas, a depender do contexto, pois o verbo informar é bitransitivo.
Em se tratando de transmissão de notícia, “algo é informado a alguém”, e, portanto, alguém lhe informa sobre algo – eis o objeto indireto. Mas, no caso de se transmitir conhecimentos, de ensinar, de instruir, alguém é informado de algo, portanto, alguém o informa. Aqui o objeto direto.
Sim, a “última flor do lácio”, a par de ser bela, tem sutilezas curiosas de que o inglês, por exemplo, em sua objetividade tosca, nem desconfia. Sutilezas gramaticais e licenciosidades da silepse, que seguem mais a lógica do contexto que a imposição da norma culta.
“Você sabe que eu te amo” é um erro de gramática, porque aplica a regência da terceira e da primeira pessoas do singular na mesma frase. Segundo a normal culta, se teria que dizer “tu sabes que eu te amo”, ou, por outra, “você sabe que eu a (o) amo”.
Mas ambas essas formas estão proscritas das letras modernas e da oralidade nacionais – por se as considerar pedantes e antiquadas. Alexandre notou que a forma “você sabe que eu lhe amo” foi exemplificada erradamente no Manual, talvez porque o colaborador que assim sugeriu a preferiu à repudiada forma clássica.
A propósito disso, como transcrito abaixo, um sítio da Internet trata sobre o erro brasileiro recorrente de se dizer “eu te gosto” (título de duas canções de autores novos ainda obscuros).
Além de “eu gosto de ti”, o referido sítio termina por recomendar que se substitua aquele uso incorreto por “eu te amo”, ou por “eu amo você” (título de canção do Cassiano consagrada por Tim Maia) – sem se atrever a sugerir a rejeitada norma culta, “eu o amo” – tampouco a recomendar a ousadia siléptica “eu lhe amo”(por “eu lhe tenho amor”).
Dizer "Gosto-te" aqui no Brasil, além de ser contrário à gramática (o verbo "gostar" exige complemento com a preposição <de>), é completamente artificial. "Gosto de ti" é correto quanto à gramática, mas não é comum entre os brasileiros. Em resumo, no Brasil se diz: "Eu te amo" / "Eu amo você" (= "I love you").
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