segunda-feira, 8 de março de 2021

CRÔNICA - O Marinheiro e o Oceano (RV)

 O MARINHEIRO E O OCEANO

Reginaldo Vasconcelos*



A visão que tenho da mulher, na minha ótica masculina, tem evoluído no tempo, desde que me entendi como pessoa. Nascido e criado durante o ocaso do obscurantismo milenar – segunda metade do Século XX – experimentei a grande transição cultural que promoveu a igualdade essencial do ser humano.

Mas ainda conheci a mulher encastelada no status de ser especial, sujeita a estritos deveres morais, quando distinguida pelo destino para ser esposa ou freira, ou relegada à condição de pária social, se destinada a suprir os instintos poligâmicos da espécie, nesse caso impiedosamente rotulada de “mulher desonesta.

Para o menino que fui não havia distinção: filho de uma mãe recatada, vivendo numa prole sem irmãs, a mulher para mim, toda ela, era sempre um ente fabuloso, magnífico, intangível. Fossem as professoras, as domésticas, as meninas da vizinhança, todas eram objeto da minha adoração apaixonada. E principalmente as prostitutas, quando a elas tive acesso na transição da puberdade, causavam-se uma pletora de ternura e encantamento. Éramos como o observador e a montanha verdejante.

Depois, na aurora boreal dos hormônios, sob a virilidade solar da juventude, a essa condição de ser etéreo  e  angelical  da  mulher  – da qual jamais a demiti – somei a de fetiche sensual, fonte aparentemente inesgotável de carinho e de prazer. Galgaram, então, as moças, no meu conceito, o altar votivo do mais enlevado culto erótico, sem perderem a sua deidade, sempre alvo do maior respeito e da maior reverência. Era então o observador na montanha dominando o vale fértil.

Hoje, além de semideusa da estética superior do Universo, na sublimidade intrínseca de sua condição ontológica, e de insuperável objeto tátil e lúdico de deleite, a mulher assume ante os meus olhos a função suprema de companheira imprescindível, alicerce indispensável da estrutura masculina, arcabouço e argamassa do edifício da família.

A mulher se me afigura hoje o complemento essencial do macho, que sem ela não existe como tal, porque sem ela se vai delir moralmente como qualquer criança solitária, perdida no caos da orfandade. Na maturidade concluo enfim que tenho vivido em função da mulher, a princípio cativo de seus encantos  como o zangão em torno da abelha rainha  hoje servo absoluto de sua majestade, sempre a serviço de sua nobre alma, em troca de um simples olhar seu de aprovação, ou de um sorriso, ou de um gesto de confiança, ou de um suspiro de prazer que me conceda. Somos agora como o marinheiro e o oceano.

NOTA: Escrito e publicado originalmente no dia 08.03.2005 Dia Internacional da Mulher.



Crônica dedicada a Dona Estefânia, a Dona Tatá e a Dona Jaci (todas elas in memoriam). 

À Graça, à Fana, à Thiena, à Júlia e à Iva. 

À Vólia e à Jô. 

À Dona Célia, à Ana Paula e à Ana Sofia. Na pessoa delas, a todas as mulheres do Universo.


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