sábado, 20 de fevereiro de 2021

CRÔNICA - Saudade Boêmia e Gastronômica (RV)

 SAUDADE
BOÊMIA E
GASTRONÔMICA
Reginaldo Vasconcelos*


Na Alemanha, visitei um restaurante de 300 anos de idade, na Cidade de Colônia. Somente os donos variaram ao longo dos séculos, mantidos o mesmo nome, o mesmo local, o mesmo cardápio histórico, apenas acrescido, com o tempo, para acompanhar a modernidade.

Em Nova Jersey, nos Estados Unidos da América, tive notícia de uma casa de pasto secular que atravessou incólume as duas guerras mundiais, e que continua atendendo e servindo os pratos criados pelos seus mais antigos cozinheiros, que cativaram várias gerações de seus clientes. 

No Brasil, não conheço exemplos de tamanho respeito à tradição gastronômica, quando, pelo contrário, tenho lido sobre a morte de redutos boêmios e culinários tradicionais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, que cerraram as portas, notadamente agora, durante a pandemia da Covid.


Em Fortaleza, há poucos meses fechou a última das nossas peixadas mais antigas da Av. Beira Mar, o Alfredo, que resistiu por 62 anos, mas que se seguiu a tantas outras mais novas, que foram caindo em sequência como um pelotão de dominós – o Anísio, o Expedito, a Peixada do Meio, o Tia Nair, o Delícias Cearenses, dos irmãos Marquinhos e Ranúzia.

Também não resistiram o Lido e o Estoril, na Praia de Iracema, como mais recentemente as boas casas rústicas especializadas em camarões do Mucuripe, como o Osmar e o Faustino.

Exceção heroica o Flórida Bar, cult point de intelectuais e artistas da Cidade, hoje localizado na Rua Dom Joaquim, na Praia de Iracema, fundado há mais de meio século pelo Sá Filho, herdado pelo seu filho, Sá Neto, depois pelo seu neto, Hermínio, hoje transferida a propriedade aos garçons da casa, mas ainda funcionando  segundo informação do acadêmico da ACLJ Altino Farias  engenheiro, dono da Embaixada da Cachaça, administrador do Blog Pelos Bares da Vida.    

Outro exemplo louvável de resistência o tradicionalíssimo Restaurante Caravelle, na Av. Luciano Carneiro, fundado há já 60 anos, remontando os primórdios do antigo Aeroporto Pinto Martins, do qual ficava na passagem, até hoje mantido no mesmo local e conservando o mesmo cadápio e temperos, pela família do fundador, Oscar de Holanda  e que assim permaneça com as futuras gerações.


Para o paladar mais sertanejo, Fortaleza tinha na Parangaba as excelentes “mãos de vaca”, as grandes paneladas, como a do tradicional Mané Bofão, nas proximidades da Catedral, que não existem mais, cujo cardápio se restringe hoje aos grandes mercados da Cidade  e as churrascarias populares na região do Alicate, no Bairro Monte Castelo, que ainda sobrevivem, mas descaracterizadas da tradicional rusticidade.

O aterro da praia engoliu o restaurante Cirandinha, do Pedrão, ponto dos boêmios que virava a madrugada, e que servia uma bisteca de porco especial – enquanto as ondas da enseada do Mucuripe rebentavam no quebra-mar a um metro das últimas mesas. Mais na frente o Sereia, cujo restauranteur era o Deó, também de vocação madrugadora. 

Ainda subsistem, mas não têm mais a mesma excelência culinária, os restaurantes dos clubes sociais remanescentes, o Ideal e o Náutico, em que se servia uma impagável Lagosta ao Thermidor. 

Por outro lado, já são apenas saudades as trattorias da Praia de Iracema e da Av. Beira Mar, as do Farias – Sorriento e Il Fornelo, e a do Alfio, vizinha do Cais Bar – saudoso e memorável.




Há muito tempo feneceu o elegante “Sandra’s”, no alto das dunas, que não sobreviveu à sua dona, Sandra Gentil – e também naufragou o restaurante Wells de Fortaleza, do Grupo Pão de Açúcar, o único que servia receitas de peru o ano todo. 

Mais recentemente se foi a bucólica Churrascaria Parque Recreio da Aldeota – “E a lua viu desconfiada / A noiva do sol com mais um supermercado/ Era uma vez meu castelo  entre mangueiras / E jasmins florados”, como cantou o Ednardo. 

Vez por outra ainda vou ao restaurante do Paulinho, na Maraponga, especializado em carne-de-sol – que não é mais do fundador, mas ainda mantém a mesma qualidade – e com mais frequência prestigio o Carne de Caicó, da mesma especialidade, no Papicu – mas que temo desaparecer tão de repente – não mais que de repente. 

A última debacle entre os redutos mais boêmios, frequentado na madrugada pelos notívagos mais notórios da sociedade cearense, que oferecia à clientela um revigorante caldo de peixe – o Tocantins – que deixou na orfandade quem quisesse “esticar” a noite, depois de festas elegantes, de reuniões formais, de assistir a shows e espetáculos.

 

Enfim, sofre a culinária característica da gastronomia cearense, não somente para prejuízo do nosso turismo, mas para tristeza da memória afetiva dos nativos, que perdemos os referenciais da juventude, das boas noitadas do passado, dos bons pratos remissivos aos produtos das jangadas, bem como das antigas carneadas nordestinas.        



COMENTÁRIO

Muito boa a matéria sobre os nossos restaurantes e bares antigos. Fiz uma viagem ao passado ao ver a foto do Bar do Anísio, onde, há muitos anos, e ao furor de ene doses de uísque, eu deixei minha moto Yamaha cinquentinha  aos cuidados do Seu Anísio e voltei para casa rebocado por um amigo! 

Paulo Ximenes

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