sábado, 27 de fevereiro de 2021

ARTIGO - Política e Ciência (RMR)

 POLÍTICA E CIÊNCIA
Rui Matinho Rodrigues*

 

Pensar e dialogar tendo como objeto cogitações políticas exige, para que a racionalidade não seja levada pelas paixões ou convicções prévias, a vigilância epistemológica e os procedimentos próprios da interpretação metódica dos fatos e ideias. O argumento da autoridade da ciência é usado com frequência no debate político. 

Ocorre, todavia, que a indicação da escola de pensamento de onde tiramos a ideia ou a interpretação dos fatos tornam o discurso mais compreensivo, devendo o interlocutor saber classificar o que está dizendo e ouvindo.

Ciência, sim, mas qual? A do positivismo de Auguste Marie François Xavier Comte (1758 – 1857); do positivismo lógico do círculo de Viena (coordenado por Moritz Schlick, 1882 – 1936); do racionalismo crítico de Karl Raymond Popper (1902 – 1994) do racionalismo pós-crítico de Thomas Samuel Kuhn e de Paul Karl Feyerabend (1924 – 1994)? Sem este esclarecimento a comunicação fica prejudicada. 

O discurso é uma pequena parte do que se diz. A maior parte é feita de pressupostos, inter-relações e significados não explicitados. Quando emissor e receptor da mensagem conhecem os múltiplos significados atribuídos aos conceitos e categorias teóricas estes cuidados facilitam o entendimento. 

Ao falar em ética é oportuno esclarecer a concepção invocada. Será a da ética antropocêntrica, cosmocêntrica ou teocêntrica? Devemos, ainda, lembrar a distinção feita por Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920) separando a ética da convicção da ética da responsabilidade. Ao falar em Direito pode ser oportuno dizer se é o jusnaturalismo ou juspositivismo que embasa a proposição. 

Não devemos, todavia, pensar que a citação de uma obra, autor ou tradição filosófica seja uma adesão integral ao conteúdo da referência feita, nem seja suficiente para validar o que é dito. Este é vício do teoricismo, que Luís de Gusmão denomina “fetichismo do conceito”, em obra assim intitulada. 

Não concordo com o conjunto da obra de Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), mas não hesito em citar alguns de seus pensamentos que são válidos. Cito frequentemente Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), até o elogiei de modo hiperbólico, repetindo a frase segundo a qual a Filosofia se resume a Platão (428/427 a.C. – 348/347 a. C.) e Aristóteles, o resto é nota de roda pé. Cito suas obras, como “A política”, “Retórica”, “Poética” entre outras. Mas não ignoro suas imperfeições. 

O diálogo deve expor as bases teóricas do que é dito, facilitando a clareza. É preciso reconhecer as próprias lacunas e buscar fontes que possam preenche-las. No debate sobre alianças políticas é preciso lembrar que se trata de uma forma de cooperação com o outro. Alteridade é diferente. Vladmir Ilyich Ulianov, Lênin (1870 – 1924) analisou o repúdio ao jogo de alianças em obra com título bastante elucidativo: “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. 

Antes da presunção de virtude e sabedoria devemos buscar os fundamentos das escolhas nos fatos e no rigor epistemológico da análise. É preciso ler e cotejar entendimentos e interpretações. Ensinei Filosofia da Ciência e percebi graves lacunas na formação de profissionais, resultado da ausência da disciplina nos cursos de graduação e até de pós-graduação. A exaltação de ânimos contaminou o ensino e a pesquisa. 

A Filosofia da Ciência não é solução. Mas contribui para mitigar o problema. Não esqueçamos a neutralidade axiológica (Weber). Ciência enfatiza juízo de existência, não o dever ser do juízo de valor. Ciência não define o dever ser, oferece subsídios quando submetida ao escrutínio do pesquisador.

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