sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

ARTIGO - Um Poder Absoluto (RMR)

 UM PODER
ABSOLUTO
Rui Martinho Rodrigues*

 


Um dia Teori Albino Zavaski (1948 – 2017) decretou o afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados. Disse, sem constrangimento, que exercia um direito extraordinário, categoria jurídica desconhecida. O atingido era Eduardo Cunha, a figura execrada. Ninguém se incomodou com o direito extraordinário. 

Gilmar Mendes julgou matéria de interesse de afilhado de casamento; Dias Toffoli já havia julgado correligionários do PT, amigos íntimos, no mensalão. Gilmar usou palavras chulas para referir-se aos Procuradores de Curitiba.

Luís Roberto Barroso usou palavras duríssimas contra Gilmar, inadequadas à liturgia do STF. Gilmar acusou o Presidente da República de genocida e incluiu o Exército nessa categoria de crimes. Essas coisas não afetam diretamente os cidadãos, que por isso não se incomodam. 

É importante conter a agressividade atual e o exemplo deveria vir do STF. A exacerbação dos ânimos, com agressões físicas ou verbais, nos aeroportos, restaurantes, nas ruas e nas redes sociais são intoleráveis. Ataques a pessoas públicas são injustificáveis. Acusações (diferente de ataques), porém, fazem parte do processo democrático, devendo ser toleradas quando protegidas pela exceção da verdade, excludente de ilicitude quando o acusador diz a verdade. Criticar é dever cívico. 

Parlamentares têm imunidade processual e prisional destinadas a protegê-los no exercício desta obrigação. Jornalistas podem acusar sem precisar revelar a fonte da informação. Cidadãos têm liberdade de expressão, ressalvado o anonimato.

A interpretação hiperbólica do garantismo penal, pelo STF, tem se caracterizado pela complacência para com acusados de corrupção até de tráfico de drogas. Ataques a pessoas públicas, até desejando a morte em um caso, não tiveram consequência. O STF não se importa, dependendo de quem seja a pessoa ofendida. 

Mas críticas e ataques, alguns deles chulos, dirigidos aos integrantes do Pretório Excelso, são interpretados como ataque ao Poder Judiciário. Tomam a crítica ou ataque a pessoa de ministros como ataque à instituição. Equivale a confundir a crítica ou ataque ao piloto como direcionado ao avião, à engenharia aeronáutica. Quem assim raciocina está enganado ou está enganando. 

Alegando defesa das instituições o STF instaurou inquérito colocando-se como vítima e ao mesmo tempo como acusador, investigador e juiz. Violou a separação das funções do Poder, usurpou a função legislativa. Violou a competência do Executivo, interferindo na nomeação para cargos de confiança, desrespeitando a discricionariedade do ato. Não atingem diretamente os brasileiros que têm voz, que não se incomodam. 

Lembremos de Martin Niemöller (1892 – 1984), que diz: “Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, (...). No terceiro dia levaram meu vizinho católico (...). No quarto dia vieram e me levaram e já não havia ninguém para reclamar”. 

O STF tornou-se absoluto, sem os freios e contrapesos da divisão tradicional das funções do Estado, a ditadura da toga condenada por Rui Barbosa de Oliveira (1849 – 1923), como “a pior das ditaduras, porque contra ela não há a quem apelar”. 

O Estado de Direito foi destruído. O Legislativo, intimidado pelas investigações e processos contra muitos dos seus integrantes, não reage. O Executivo, acossado pela imprensa e pela maioria dos formadores de opinião, teme ser alcançado em alguma fragilidade. 

O garantismo do STF sugere que só acusados de corrupção são beneficiados pelo garantismo e que os ministros do STF “são mais iguais”, como na “Revolução dos bichos”, de George Orwell (1903 – 1950). 

Estão acima da reserva legal criando crime por analogia; abandonam o processo acusatório e restabelecem o processo inquisitorial; legislam, criam o flagrante mediante mandado judicial. Podem tudo, esquecidos de que o corporativismo é mau conselheiro e que o “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus” (John Emerich Edward Dalberg-Acton, barão de Acton, 1834 – 1902).


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