Mesa de Bar
Paulo Ximenes*
“Mesa
de bar não é lugar apropriado para a resolução dos problemas do mundo, nem para
o desfile de azedumes pessoais. Ao contrário, ela foi desenhada para o trato
das amenidades, para os que reverenciam as amizades, deixam ascender a poesia e os bons fluidos, e viajam com a música para onde ela for”
A propósito desta amolada orientação aos
navegantes, devo detalhar que eu a confeccionei em uma grande folha de papel
cartolina, tecida com pincel atômico (no tom vermelho mais aberrante que pude
encontrar) e a afixei afrontosamente na porta de um frequentado bar nas
cercanias da cidade de Campos Sales, Estado do Ceará, pelos idos de 1995, com a
aquiescência do seu proprietário.
Aquilo não foi uma gaiatice fortuita. Apesar
dos muitos deleites em que ali vivi, devo confessar que atravessei também uns
bons maus bocados. Muitos dos seus incautos frequentadores andavam se
esquivando da correta destinação a que se prestam os bares: julgando-se
conhecedores dos homens e do mundo, entre baforadas de cigarros, doses de
cachaça e ares professorais, levantavam polêmicas de toda a sorte, quando não
traziam na ponta da língua elucidações para quaisquer dúvidas que porventura
ali surgissem. Sabichões de plantão, donos absolutos da verdade.
Já outros se davam ao desplante de transformar
uma mesa de bar numa extensão enfadonha das suas atividades laborais; outros
faziam pior: passavam a exigir atenção pupilar, enquanto revelavam
detalhadamente seus doridos queixumes, tim-tim por tim-tim, impondo aos demais
arcar com a tortura daquela audição...
O leitor acha que a coisa não poderia desandar ainda mais um pouquinho? Saiba então que presenciei alguns fanfarrões sob o efeito da “marvada” com os dedos em riste e a voz nas alturas, acelerados pela reles divergência de opiniões ou até pelas discussões do mundo do futebol, arvorando um clima de afrontamento ao sossego.
Avacalhava-se naquela forma, a passos largos,
o sagrado fito da nossa serena tenda do ócio – eu queria crer que a finalidade
de um bar fosse justamente pôr água fria na fervura da vida – e eu já estava
que não podia mais. Concedo agora que talvez eu tenha sido menos sutil do que
eles, ao fazer a emenda maior que o soneto.
Passado algum tempo, por motivos imperiosos, saí da cidade. Segundo a informação dos que por lá ficaram, por mais uns três anos permaneceu a desbotada cartolina no mesmíssimo local, prestando relevantes serviços aos boêmios. As letras se desbotaram, a cartolina sumiu, o tempo passou e aquilo foi uma ousadia que já não me acompanha mais.
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