PASSADO E PRESENTE
Rui Martinho Rodrigues*
Por vezes somos
tentados a entender o presente pelo passado. March Leopold Benjamim Bloch (1866
– 1844) alerta para o perigo da idolatria das origens dos fatos, atos e enredos
da marcha da humanidade.
Epidemiologistas
estudam casos de surtos e de endemias tirando lições. Comparar e passado e
presente é um duro desafio. Envolve as dificuldades da História Comparada e as
do presente. Diferenças contextuais e de significados encobrem os precedentes. Decifrar
o presente tropeça na ausência de desdobramentos e consequências que ainda não
se concretizaram.
As consequências da
atual pandemia ainda estão no porvir. O passado nos mostra episódios de pestes
que mataram em proporção muito maior do que a de hoje. A população, porém,
vivia no campo. As fazendas, em grande parte, eram autárquicas, só adquiriam
querosene, sal e munição. Isso no Século XX, nos dias da “gripe espanhola”.
A agricultura e a
pecuária pouco usavam insumos industriais – se é que o faziam. Não contraiam
tantas dívidas juntos aos Bancos, salvo naquelas lavras que ainda seguiam o modelo
da “plantation” colonial, como a
monocultura do café. Recomeçar, depois da falta de mão de obra causada pela
gripe espanhola, varíola ou cólera, não era tão complicado.
O mundo não era a
aldeia global de Marshall McLuhan (1911 – 1980). Agentes etiológicos das
doenças se propagavam lentamente. O mundo não se abatia ao mesmo tempo.
Indústrias necessitadas de componentes importados, organizadas de modo
complexo, dependendo de grandes investimentos, faziam parte de poucos países, ou
nem existiam.
Empresas de aviação,
que agora estão paradas, não existiam. A indústria aeronáutica e toda a miríade
de fornecedores que gravitam em torno dela não eram importantes na maior parte
do mundo. O setor automotivo era restrito, inclusive nos países desenvolvidos
nos anos de 1919 e 1920, ao tempo da maior pandemia imediatamente anterior à
atual. Hotéis e demais atividades turísticas não eram parte tão grande da
economia.
A vida era simples.
As cidades eram pequenas, não ofereciam tanto emprego no setor de transporte. A
mão de obra necessária a importantes setores da economia, hoje, exige
qualificação complexa, demorada, demanda um longo tempo de preparação e muito
mais investimento do que no passado.
O impacto econômico
das grandes pestes medievais devastou a economia de países europeus. Mas as
diferenças aludidas e a expansão colonial favoreceram a recuperação. A atual
dependência do mundo relativamente à China poderá levar a um esforço de
reindustrialização dos países desenvolvidos, ou realocação de indústrias no
México, Leste Europeu ou América Latina.
Os chineses
certamente não facilitarão a saída de máquinas e equipamentos do seu território.
Novas máquina precisarão ser fabricadas. Infraestruturas terão de ser
providenciadas para a reindustrialização; preparação de mão de obra; investimentos.
Recursos de outras áreas serão realocados. A retirada de indústrias da China
poderá abalar a economia do gigante da Ásia. Uma recessão chinesa abalaria o
mundo. As relações econômicas prejudicadas poderão afetar as relações
diplomáticas. Nova corrida militar poderá ganhar força.
Compreender o
passado é difícil. O futuro é indecifrável. Precisamos, todavia, olhar para o
caminho que temos pela frente. Conjecturas permitem a elaboração de cenários
necessários ao planejamento. Antevemos agora dificuldades maiores que as das
pandemias pretéritas. Temos, porém, vantagem sobre os nossos avós: mais
tecnologia e soluções mais rápidas.
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