O MAU JORNALISMO
SEGUNDO RUI BARBOSA
*Luciara de Aragão
Há cem anos (1920),
um gesto filantrópico do jornalista, advogado e diplomata Rui Barbosa (1849-1923)
resultou na publicação de uma conferência sua para doação dos direitos autorais
a uma instituição de Salvador, o Abrigo das Filhas do Povo. Já adoentado, então
com 71 anos, dois anos antes do seu falecimento, pediu ao amigo, o jurista,
político e escritor João Mangabeira, que fizesse a leitura pública do seu
famoso “A imprensa e o Dever da Verdade”.
Esta discussão tão
atual sobre a ação da imprensa no mundo e os valores da democracia é sempre
legítima. No Século XIX, o papel da imprensa aproximou-se muito do papel
político e com ele entrelaçou-se. Decerto formava opiniões e algumas vezes
fiscalizava o Governo e informava a sociedade. Político atuante e duas vezes
derrotado nas eleições à Presidência da República, constatou a lisura das
eleições nas quais foi derrotado e sempre afirmou que o mais inviolável dever
do homem público é o de estabelecer a verdade, em suma, a prática da verdade
nos atos e ações do homem público, fosse no tribunal ou na imprensa. A mentira,
contida numa fraude eleitoral, o horrorizava.
Apesar da atualidade
do tema, o texto de Rui Barbosa foi pouco reeditado ao longo do tempo, se
levarmos em conta a sua permanente atualidade. Numa das suas melhores
reedições, a quarta edição, prefaciada pelo professor, advogado e conferencista
Manuel Alceu Affonso Ferreira, numa edição da Ed. Papagaio (2003), vemos como a
imprensa de então podia se constituir num aliado, de modo diverso ao de hoje.
Isto porque, no Século XIX, a imprensa atuava como um poder fiscalizador,
formando opiniões e supervisionando o governo. Já no prefácio do livro, ele nos
diz que as afirmações de Rui Barbosa não podem ser entendidas como isoladas no
tempo, já que os vícios permanecem, embora não com a mesma desfaçatez, mas
maquiadas.
De fato, não só as
formas como isto se dá o demonstram, mas também como são distribuídas as verbas
publicitárias, sendo inegável a condução a novas formas de conluio. Affonso
Ferreira considera que se providenciou a substituição pelos financiamentos estatais,
quase todos com apoio político pelas anistias tributárias que pagam o
noticiário laudatório pelos incentivos concentrados da atividade jornalística a
grupos monopolistas; enfim, pelas mil e uma artimanhas de que é capaz a
engenhosidade dessa eficiente parceria entre alguns maus jornalistas e maus agentes
políticos.
Afastada da busca da
verdade que deveria ser o seu objetivo principal, a imprensa já não obsta o
poder aceitar distorções na apuração do que escreve, promove e divulga ao
leitor, sem nenhuma preocupação com os princípios éticos. Entre as estações
televisoras as brigas pela audiência e o comprometimento político transformam o
noticiário de algumas das principais emissoras naquilo que Rui Barbosa
qualificava como degenerescente. Cada vez mais perigosamente atual, parecem
proféticas as palavras do grande Rui: “Um país de imprensa degenerada é um país
cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um
país que explorado na sua consciência não poderá lutar com os vícios que lhe
exploram as instituições”. Temos o retrato da imprensa em nossos dias.
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