quarta-feira, 6 de novembro de 2019

POEMETO - Pobre de Mim (RV)


POBRE DE MIM
Reginaldo Vasconcelos*

Pobre de mim,
Que já surpreendo os traços avitos no meu rosto.
Como as minhas, a exata e querida mão do meu saudoso avô paterno, aquelas falangetas que o alcatrão do tabaco já tingira de ouro velho, na lembrança indelével que eu interno.

Feliz de mim,
Que tenho vivido com galhardia tantos anos,
Que não fugi dos desafios sinuosos que o mundo propôs,
Que tenho triunfado ufano das grandes tentações da improbidade, da sereia da ilicitude, dos mais sórdidos complôs.

Pobre de mim,
Que tenho perdido amigos a mancheias para a morte, e que não tenho solidariamente morrido, e que não busquei a fortuna financeira a qualquer preço e com afinco, tantas vezes me arriscando a vir a comer com os cães e a dormir com os gatos sobre o zinco.


Feliz de mim,
Que não tenho que fazer coro com o poema de Pessoa, e que me inscrevo entre os “príncipes” de que o poeta faz escárnio, porque não tenho devido sem pagar, nem me deixado trair, e que os socos recebidos tenho todos revidado, ao belo e ao feio, ao pobre e ao rico, ao califa ou ao grão-vizir.

Pobre de mim,
Que não tenho podido entender todos os homens que encontrei, 
Que não me foi dado socorrer todas as almas que bordejaram a minha sorte, amar todas as filhas de Zeus, produzir o poema perfeito, salvar a pátria amada dos iníquos filhos seus.

Pobre de mim.  



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