NOSSO DOLO,
NOSSAS CULPAS
Vianney Mesquita*
Somente o influxo da arte comunica durabilidade à escrita. Apenas
ele marmoriza o papel e faz da pena escopro. (RUI BARBOSA).
Parece-nos fenecer
alegação lógica àqueles que inadmitem o emprego facultativo do plural em certos
substantivos, quando expressos de par com as unidades vocabulares nosso,
vosso e outros possessivos, em suas naturais e corretas variações
desinenciais.
Em sua maioria, os
nomes são passíveis de comportar modificações flexionais, maiormente em relação
a número – flexão nominal ou verbal indicativa da existência de um ou mais.
Sucede, entretanto –
e não raro – que a aplicação indiscriminada, na dependência da conformação
fraseológica, do plural ou do singular, pode desfear o torneio e, dessarte,
comprometer o escrito, no particular, em se cuidando de tecedura literária.
A Língua de Edmar
Santos – escritor habitual desta Folha – conserva em guarda extremos recursos,
tanto no que concerne a sua impressionante polissemia, como no pertinente às
incontáveis maneiras de estruturar a mensagem. É uma como expressão musical,
cuja combinação das notas, dissonantes e outros aprestes da codificação desta
Arte reverterá na gradação do belo, variando até o feio e, por vezes,
descambando para o medonho.
Há tantos recursos,
que existem tantos homens e igual quantidade de modos característicos de se
escrever, rememorando a célebre asserção leclercana, quando o Conde de Buffon,
Georges Louis de Leclerc, lobriga o estilo de acordo com a personalidade do
estilista (Le style est l’homme lui-même).
Salvante escorrego
de memória, foi durante o Concílio Vaticano II (11.10;1962-08.12.1965, sob o
Papa João XXIII), que se achou por bem, exempli gratia, permutar do
padre Nosso dos católicos – traduzido, no plural, do Livro Santo – a dicção
“nossas dívidas” (perdoai as nossa dívidas assim como perdoamos nossos
devedores) pela unidade de ideia “nossas ofensas” (... assim como nós
perdoamos os que nos têm ofendido), com o pronome possessivo e o
substantivo pluralizados. Bem que podiam ser, também, cunhadas as expressões,
no primeiro número gramatical, “a nossa dívida”, “a dívida de todos”, isto é, o
débito global, o passivo da Humanidade, com relação à falta geral (o pecado),
ou – no segundo número – às faltas gerais (os pecados).
Entrementes, com o
substantivo dolo, na primeira e mais relevante acepção em Língua
Portuguesa, quiçá resulte desaconselhável grafar dolos ou nossos
dolos, exatamente pelo sensabor elocutório, conquanto gramaticalmente
corretas ambas as locuções.
Para crime, que
assume dolo e culpa, ex positis, entende-se indiferente a aplicação,
no singular, como no plural, quando das generalizações, em nosso crime
ou nossos crimes. “Nosso crime foi responsável pela Crucifixão”,
isto é, a iniquidade humana levou Cristo à morte de cruz; ou em: “nossos crimes
levaram Jesus Cristo à morte de cruz”, no plural, sem deslustrar e, tampouco,
enriquecer a sentença.
Com a dicção culpa,
nas variegadas intenções que conota (“violação ou inobservância de uma regra de
conduta, que produz lesão do direito alheio”; ou “falta voluntária de
diligência ou negligência, ato de imprudência ou imperícia, sem propósito de
lesar, mas de que resultou a outrem dano ou ofensa de seus direitos [...]
pecado, delito, responsabilidade, causa de um mal etc – AURÉLIO), podem ser
torneadas frases, em ambos os números, como na acepção do vocábulo
“responsabilidade”, verbi gratia: “O Brasil constitui nação do Terceiro Mundo,
Estado periférico, por culpa nossa” (responsabilidade nossa). A expressão é
passível de ser conduzida, permutatis, permutandis, para o plural,
inclusive a fim de adornar o estilo, quando menos para a fuga do trivial, como
assim: “Nossas culpas nos responsabilizam pelo atual status do País”,
ou, “Por culpas nossas, nosso País se encontra perto do caos”; “ de quem é a
culpa?” “De quem são as culpas?”
Sem nos arvorar de
referência final no exame da matéria, modestamente entendemos que pluralizar ou
permitir a permanência no singular, nos casos dos quais nos ocupamos, é,
tão-só, um ponto de aprimoramento do estilo, porquanto, em um número como no
outro, a língua do meu conterrâneo (Palmácia-CE) e patrono na ACLJ, José
Rebouças Macambira perfaz-se devidamente respeitada.
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