O FOCO DA ANÁLISE
Rui Martinho Rodrigues*
O atual excesso de liquidez teve um impulso nas emissões destinadas
a fazer face ao choque de petróleo nos anos setenta. Depois vieram as emissões
para conter a crise de 2008. Sobra dinheiro. Mas a inflação é baixa em escala
mundial. Juros também e agora chegaram ao Brasil. O crescimento econômico,
porém, declina como tendência mundial.
Os países da União Europeia têm, no momento, os menores efetivos e
orçamentos militares dos últimos cento e cinquenta anos. Os EUA têm o menor
efetivo militar desde o fim da Segunda Guerra Mundial e o seu orçamento de defesa, embora seja
gigantesco, é aproximadamente metade do que foi entre os anos sessenta e
oitenta do Século XX. Ocorre o mesmo com Coreia do Sul e Taiwan, para citar
dois exemplos mais expressivos. Apenas Índia e Arábia Saudita, entre as grandes
economias, aumentaram significativamente seus gastos militares.
Nações, empresas e famílias nunca estiveram tão endividadas em
tempo de paz, apesar dos juros baixos, dos menores orçamentos militares, dos
preços do petróleo não estarem altos e do comércio internacional ser, a
despeito dos entraves que subsistem, mais aberto do que no passado. Não temos
guerras generalizadas na Europa há mais de sete décadas. Árabes e judeus não
travam grande conflito desde 1973, não passando de pequenas guerras.
A tecnologia avança em ritmo acelerado, possibilitando grandes
ganhos de produtividade. A escolaridade progride em todo o mundo. O impacto das
doenças contagiosas e até das degenerativas é muito menor. A crescente
integração da mão de obra feminina ao mercado de trabalho é o aumento de um
fator de produção. Mas a economia mundial desacelera. O quadro parece
contraditório.
A guerra comercial entre EUA e China não é suficiente para explicar
a situação descrita. O crescimento baixo não surpreende quando se olha para o
nível de investimento. Intrigante é o baixo investimento convivendo com elevada
liquidez e juros baixos. Os poderes públicos e as famílias, não por acaso, têm
baixa propensão marginal a poupar. Os asiáticos estão crescendo e apresentam
tendência inversa neste aspecto. As empresas estão endividadas porque os juros
extraordinariamente baixos se constituíram em convite irresistível para o
endividamento.
A propensão marginal a poupar é baixa por motivos ligados ao campo
dos valores. O foco das reflexões tem negligenciado este aspecto. O hedonismo
do nosso tempo estimula o consumo e desencoraja a austeridade. O Estado
provedor desencoraja a poupança das famílias que se sentem seguras sob sua
proteção.
Isso estagnou a Europa endividada. Tanta dívida tem um lado credor,
entre os quais se destacam os fundos de pensão e alguns países exportadores de
petróleo. Tanta liquides sem investir, sob juros negativos, exige uma
explicação mais robusta. Falta confiança? O que assusta os potenciais
investidores? O endividamento geral?
Vivemos um tempo marcado pelo maior bem-estar já visto, conforme
todos os indicadores objetivos de qualidade de vida. Suicídio, depressão,
dependência química e tantos males do nosso tempo guardam relação com aspectos
subjetivos que confrontados com os indicadores objetivos revelam a falácia dos
fatores materiais como determinantes dos acontecimentos históricos.
A revanche do sagrado (Leszer Kolakowski, 1927 – 2009) sugere a
falta de transcendência, totalidade e radicalidade, que não encontra resposta
na busca autotélica do prazer ou da felicidade solipsista. Faltou a análise do
conflito mimético apontado por Renê Noel Theophile Girard (1923 – 2015). O
discurso sobre desigualdade e concentração de renda é uma expressão deste
conflito.
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