LULA LIVRE...
MAS NEM TANTO
Reginaldo Vasconcelos*
Pessoalmente, congratulo-me com o campo petista pela
libertação de seu ídolo maior, o ex-presidente Lula da Silva, momento tão
requestado pela campanha “Lula Livre!”, de caráter misericordioso e solidário, à qual se filiavam alguns confrades e mesmo outros amigos e parentes.
Um ano e sete meses de cadeia, aplicados contra alguém
longamente habituado a tantos confortos e honrarias, são suficientes para
promover a expiação de quaisquer faltas por ele cometidas contra a
Administração Pública, pelas quais foi condenado. De toda maneira, Lula já poderia
estar em casa desde antes, sob regime semiaberto, que ele preferiu não aproveitar.
Triste constatar, a propósito, que esta soltura de Lula
pode ser para ele, e para os seus seguidores, uma “vitória de Pirro” – aquela
cuja glória não corresponde a efeitos práticos efetivos ou a resultados
duradouros.
Ele foi solto porque há ainda um último recurso interposto em seu favor a ser julgado, no Supremo Tribunal Federal, mas continua duplamente condenado,
enquadrado na “Lei da Ficha Limpa” – que o incompatibiliza com o Serviço Público, e sendo tema de novas delações de Marcos
Valério e de Palocci.
Demais disso – constantemente postado sob a espada de
Dâmocles – Lula pode a qualquer hora ser objeto de uma prisão preventiva, se
continuar a usar a liberdade conquistada para incitar convulsões sociais e
ameaçar autoridades – caso procuradores e juízes federais entendam que Lula
esteja periclitando a paz social.
Se eu fosse o Lula evitaria atacar o Presidente da República,
que é o dono da caneta Bic que pode inclusive fazer reabrir o rumoroso e controverso caso
Celso Daniel, com meia dúzia de outras mortes correlatas – cadáveres que
recentes delações andam lançando sobre ele.
Mas o que estarreceu o mundo jurídico foi a conduta
canhestra do Supremo Tribunal Federal, que agiu politicamente naquele julgamento, todos os seus
Ministros proferindo votos desconexos, muito mal urdidos, todos eles, de parte
a parte, tergiversando sobre o objetivo mérito da causa que enfrentavam.
Para citarmos apenas dois deles, Celso de Mello, em vez de
se restringir a interpretar a literalidade de um artigo da Constituição, em
face das consequências sociais de sua aplicação, tendo em conta as especificidades
da realidade brasileira, fez um cansativo relatório em favor do princípio da presunção de
inocência, que ninguém tinha posto em dúvida.
O decano fez exaustivas citações de jurisprudências antigas
e de Direito comparado, remetendo a normas brasileiras vencidas e a Constituições
estrangeiras, com a intolerável rabulice de citar de memória todos os artigos e
datas, numa maçante parlapatice, abusando da oralidade – quando deveria apenas proferir
seu voto e depois fazer publicar um compêndio com seus fundamentos e históricas razões.
Cômico ainda o pronunciamento tatibitate do Presidente da
Corte, Dias Toffoli, que parecia temeroso de votar como votou, cheio de firulas
para se desculpar pelo que ele mesmo proferia – e, lavando as mãos como Pilatos, recomendou ao Parlamento reverter a sua própria decisão por meio de uma emenda à Constituição ou de uma lei nova pertinente.
De fato a Constituição Federal reza que “ninguém pode ser considerado culpado antes
do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É uma regra
subjetiva, eminentemente principiológica, porque não define claramente o que
significa “ser considerado culpado”.
Tanto é assim que em 2016 o Supremo Tribunal tinha
entendido que esse dispositivo constitucional não impedia a prisão dos
condenados que tivessem condenação penal confirmada por um colegiado da Justiça
Ordinária, ainda pendentes recursos aos Tribunais Superiores – recursos esses, o especial e o extraordinário, ainda garantidores da presunção de inocência, porém sem serem dotados de efeito suspensivo dos efeitos da sentença.
Para clarificar o paralogismo das chicanas interpretativas, lembro a história do português do bar que proibia os
frequentadores de contar piadas versando sobre a pretensa burrice do seu povo.
Então se contavam as anedotas, atribuindo os fatos a japoneses... que se chamavam
Joaquim e Manuel. E a burrice lusitana restava então gravemente confirmada.
Claro que se o constituinte quisesse que ninguém devesse ser preso antes do transito em julgado da sentença o teria dito claramente, porque, de fato
e de direito, a culpa penal se torna evidente e indiscutível quando o juiz de
primeiro grau se convence dos argumentos da acusação, após a instrução
processual, dentro de devido processo legal, e um Tribunal de Justiça confirma
essa sentença por acórdão.
O fato de ainda poder recorrer aos Tribunais Superiores
para discutir questões de Direito, mesmo já com a culpa formada pela exaustão
das provas sobre materialidade e autoria, esse fato deveria fazer entender que a presunção
de inocência ainda se preservava, e que a pessoa ainda não foi considerada
culpada, nos termos da Constituição – mesmo que já tenha sido presa.
Em suma, o que se discute nos recursos aos Tribunais Superiores não é
mais a culpa objetiva do condenado, que já está configurada pela Justiça
Ordinária, mas a regularidade adjetiva do processo – a correta subsunção da
conduta ao tipo penal, a dosimetria da pena, dentre outros detalhes jurídicos
do caso – sem se poder mais negar os fatos criminosos nem desconhecer os seus
autores.
Sim, pode ser que um desses detalhes jurídicos do caso, em recurso interposto nos Tribunais Superiores, possa elidir a condenação, mas essa é uma hipótese remotíssima, uma
insignificância estatística que não justifica livrar soltos todos os condenados com culpa formada e confirmada,
caminhando para a prescrição, para prevenir injustiças raríssimas, vagamente
presumíveis.
Fazendo uma analogia sobre insignificâncias estatísticas, note-se que eletricidade, piscinas, automóveis – tudo isso mata pessoas aos milhares todos os anos, em torno do Planeta, e ainda assim não se justifica privar toda a humanidade do seu uso.
Fazendo uma analogia sobre insignificâncias estatísticas, note-se que eletricidade, piscinas, automóveis – tudo isso mata pessoas aos milhares todos os anos, em torno do Planeta, e ainda assim não se justifica privar toda a humanidade do seu uso.
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