A CRÍTICA SOCIAL
Rui Martinho Rodrigues*
Um professor de literatura, na Inglaterra, orientou a produção de
um conto: um escândalo sexual, um mistério e a família real poderiam torná-lo
mais atraente. Um rapaz fez o “dever de classe” escrevendo o seguinte texto: “A
rainha está grávida e não se sabe quem é o pai”.
A crítica social também tem uma receita mais diversificada. Defenda
a igualdade, mas de modo vago. Não faça distinção entre “desigualdade” (que é
jurídica, social ou cultural) e “diferença” (que é física, legítima ou natural).
Não distinga entre igualdade de todos em tudo; de todos em algo; de
alguns em tudo; de alguns em algo. Também não diferencie a igualdade de
oportunidades da igualdade de resultados. O relativismo servirá de panóplia. Não
existindo verdade, você jamais estará errado. Mas não deixe de invocar a
verdade contra quem diverge de você.
A dialética, que Lucio Colletti (1924 – 2001) considerava “uma
senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, será de grande ajuda. Permite
contradições escudadas na tese da unidade dos contrários. Use conceitos
indeterminados, como justiça e dignidade humana. A exemplo do que ocorre com as
obras de arte, cada um entenderá a seu modo. Joaquim Maria Machado de Assis
(1839 – 1908), no conto Teoria do Medalhão, já recomendava o discurso vago como
forma de contornar divergências e aparentar sabedoria.
A responsabilidade individual por crimes deve ser abolida ou
minimizada, mas seletivamente. Negue a possibilidade de escolha livre e
consciente. Ninguém perceberá que isso é incompatível com a democracia. Atribua
as nossas decisões e condutas às estruturas sociais, políticas, econômicas e
culturais, e o transgressor será vítima. Mas seja seletivo. Aponte a pobreza como
causa do crime, ignorando a criminalidade dos ricos, sem deixar de condená-los,
conforme a conveniência. Isso faz sucesso e a contradição não será percebida,
ou a “senhora de costumes cognoscitivos fáceis” o absolverá. Também não notarão
que se a pobreza levasse ao crime, então os pobres seriam criminosos ou, no mínimo,
suspeitos, o que é um preconceito perigoso.
Pregue a solidariedade. Mas tenha o cuidado de estatizar as
obrigações daí decorrentes, para que elas não recaiam sobre os seus ombros, mas
sobre o Estado, cujo financiamento será parte do redistributivismo fiscal. Sim,
distribuir a renda não pode faltar. Mas a renda a ser distribuída é a de quem
ganha mais do que você, pois não seria preciso o Estado distribuir os seus
próprios haveres.
Proponha colher sem plantar. É a velha promessa muito simpática da
deusa grega Bem-Aventurança, mulher formosa e sedutora, que os críticos
chamavam de Mentirosa. Confunda Direito com patrocínio e transforme direitos
sinagmáticos com direitos potestativos, na forma de crédito sem obrigação.
Direitos humanos devem ser ampliados até alcançarem toda elástica categoria das
chamadas necessidades básicas, ou direitos sociais. Afaste a ideia de esforço,
superação, responsabilidade, perseverança e outras virtudes. São valores
desconfortáveis.
Pregue a necessidade de ter a mente aberta, mas aferre-se às suas
convicções, não importa que elas tenham sido desmentidas pelos acontecimentos
históricos em todas as suas experiências. Basta apoiar-se em autores de grande
prestígio, de preferência que sejam muito lembrados, pouco lidos e ainda menos
compreendidos. Não é preciso ser virtuoso, basta aparentar virtude, já dizia
Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).
Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2019.
Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2019.
COMENTÁRIO
Este artigo do Prof.
Rui Martinho Rodrigues é constituído de gorda proteína filosófica e da mais
pura vitamina sociológica, entre fibras de carboidratos econômicos.
Mas o leitor que
tiver preguiça de pensar não vai conseguir aproveitar a sua rica substância, simplificar os seus compostos complexos e absorver os óleos essenciais da sabedoria aplicada
de que o texto é impregnado, a exigir do intelecto um vigoroso processo
digestório.
Bem mastigado, o
artigo demonstra o terrível engano das teorias messiânicas segundo as quais
todos têm direito a tudo, a benesses gratuitas fornecidas pelo Estado, a promessa
de leite e mel fluindo de forma dadivosa das políticas sociais, por força de
lei.
Dando irônicas lições, Rui escancara o equívoco
ideológico do “estado de bem-estar social” absoluto, independentemente de
mérito ou de demérito dos beneficiários, indiferentemente ao que eles criem, desenvolvam, edifiquem, produzam, contribuam ou perpetrem – tudo sob a bandeira magnânima dos “direitos
humanos”, um conceito sacrossanto e inefável.
A reflexão de Rui é especialmente oportuna no Brasil, neste momento de aguda crise moral, fiscal e previdenciária,
em que a nova política disruptiva começa a sepultar mitos, crestar privilégios e mitigar injustiças.
Porém, em
contrapartida, vai exigir os sacrifícios entrevistos em medidas moralizadoras e
em grandes rigores penais, os quais serão impostos contra os desonestos de todas as
castas, e os cavilosos de todos os níveis –principalmente os egoístas e arrivistas elitizados, cúpidos por poder e pecúnia – mas também as hordas de desocupados
por opção, reivindicadores profissionais, agitadores contumazes, insuflados por brancaleônicos
ideólogos.
Reginaldo Vasconcelos
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