O ARGUMENTO CONSERVADOR
Rui Martinho Rodrigues*
Conservador teve, no Brasil, o sentido de anátema. Poucos assumiam
tal identidade, como poucos se dizem comunistas, preferindo dizer-se vagamente
esquerdista ou até adeptos da filosofia da práxis, expressão usada por Antonio
Gramsci (1891 – 1937) para burlar a censura. A pós-modernidade tem conceitos
líquidos. Seria quem não aceita mudanças, querendo congelar a história? Apreço
pela preservação de instituições culturais, jurídicas e políticas? Entendimento
de que o homem não se pertence?
A preservação das instituições culturais, jurídicas e políticas é
associada ao conservadorismo. Sucede que até os revolucionários se esforçam por
preservar as suas instituições, quando no poder. Nem toda tradição tem o amparo
dos conservadores, que criticam os vícios do Estado patrimonial burocrático
descrito por Raymundo Faoro (1925 – 2003), em seu opus magnum Os donos do Poder
(Editora Globo, 1986). O grupo vagamente referido como progressista, não havido
como conservador, defende a preservação de identidades culturais nos termos do
multiculturalismo diferencialista. Por outro lado, a preservação das
instituições jurídicas e políticas é defendida por todos quantos se achem no
poder, usufruindo delas, até revolucionários.
Liberais defendem as instituições democráticas, como a separação,
independência e harmonia das funções do Poder do Estado e o império da lei. Liberais
e conservadores são diferentes. É inconsistente a classificação de ambos como
se tivessem uma mesma identidade rotulada como “direita”, em classificação
dicotômica incompatível com a diversidade do pensamento e das práticas
políticas.
A essência do conservadorismo é a ideia de que o homem não se
pertence, conforme Robert Nisbet (1913 – 1996), na obra O conservadorismo (Editora
Estampa, 1987), que assim os distingue dos liberais, para quem o homem pertence
a si mesmo. A busca da superação da finitude pelo pertencimento ao partido,
igreja, classe social, pátria, família ou etnia aproxima conservadores dos
revolucionários. O pertencimento dos conservadores geralmente é à família, a igreja
e à pátria.
Mas o nacionalismo não é exclusividade dos deles. Religiões
seculares, civis ou políticas, próprias de revolucionários, entendem que o
homem não pertence si mesmo, mas ao partido ou classe social. Os opostos se
assemelham e talvez não se distingam, sendo os lados de uma mesma moeda.
O pertencimento a etnia, racismo reverso do multiculturaismo
diferencialista, entende que o homem pertence ao que chamam “raça”. É uma
postura conservadora, mas um conservadorismo diferente, distinguindo-se pelo
objeto do esforço de preservação. Tal distinção não alcança as práticas
políticas tendentes à presunção de superioridade moral e à intolerância.
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