O PAÍS DAS TRAGÉDIAS
Rui Martinho Rodrigues*
Morro do Bumba, Niterói, 267 mortos; Mariana, 19 cadáveres;
Brumadinho, 323 vidas perdidas, Centro de Treinamento do Flamengo, Rio de
Janeiro, 10 vítimas fatais. Tragédias que se repetem. Minudente legislação
ambiental, múltiplos órgãos de fiscalização, competência concorrente da União, Estados e Municípios, organizações não governamentais, ativismo judicial e
jornalismo “politicamente correto” não evitam os desastres.
Não faltam leis nem órgãos de controle. Debatem-se desburocratização
e a flexibilização da legislação pertinente a segurança da natureza e das
pessoas. Há quem queira mais leis, mais órgãos achando que tais medidas
favorecem os objetivos de preservação e segurança. Não importa que o
descumprimento de normas, alvarás e laudos graciosos ou ignorados, desprezo por
normas na forma de dormitórios sem licença de bombeiros, prefeitura ou outras
instâncias de fiscalização.
As normas e órgãos, porém, podem se transformar apenas em
dificuldades propiciadoras da venda de facilidades. O “homem cordial”, de
Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982), motivou explicações do autor, com
sabor de retração.
Mas o compadrio tolerante e a troca de favores, típicos do Estado
patrimonial burocrático, descrito por Raymundo Faoro (1925 – 2003), são realidades
entre nós. Controles burocráticos efetivamente facilitam a corrupção, tornam
morosas a Administração, pública e privada, e não têm demonstrado efetividade quanto
aos seus objetivos oficiais.
Desenvolvimento guarda relação com as metas do grupo de Itatiaia,
que, em 1952, recomendou um conjunto de medidas destinadas a promover o
desenvolvimento do Brasil. A ênfase das recomendações do citado grupo recaiu
sobre dois fatores: transporte e energia. O segundo governo de Getúlio
Dornelles Vargas (1882 – 1954), e o de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 –
1976), seguiram as sugestões e obtiveram alguns resultados importantes.
A substituição de importações, perseguida com ênfase desde o primeiro
governo Vargas, com prioridade para a indústria de base, continuada por
sucessivos governos, contribuiu para a urbanização acelerada, a formação de um
grande parque industrial e muita inflação. Mas os vícios do patrimonialismo e a
“cordialidade” continuam presentes. Hoje pensamos em investimentos produtivos e
de formação de recursos humanos como fator de produtividade. Discutimos as
reformas tributária, caótica e política; combate às práticas corruptas.
Todos os objetivos aqui mencionados são necessários ao nosso
desenvolvimento. Mas não são suficientes. Sudesenvolvimento tem um componente
cultural. Mudança cultural tende a ser lenta e não se liga a inauguração de
obras. Mas é indispensável ao processo produtivo o enfrentamento dos problemas
de limpeza pública, da falta de celeridade da Justiça, das práticas políticas
inidôneas, da ineficiência da fiscalização e controle de normas.
Nenhum serviço de limpeza pública consegue manter limpa uma cidade
sem a colaboração do povo. Leis não produzem resultados sem o sentimento de
responsabilidade do povo. Tragédias ambiental e humana não terão fim com a
multiplicação de leis. A resiliência do jogo do bicho e das drogas ilícitas não
deixam dúvidas quanto a isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário