domingo, 5 de julho de 2015

CRÔNICA (AM)

FELICIDADE ON-LINE
Assis Martins*
(Ilustração de Audifax Rios)

Eis os três segredos da felicidade: não ver o mal, não ouvir o mal e não fazer o mal. (ANÔNIMO).


Santa e abençoada internet, mediante a qual alguns amigos tentam, com insistência, me tornar o mais ditoso dos mortais. Esta opinião decorre do bombardeio de mensagens otimistas que recebo diariamente de prestimosos internautas, via correio eletrônico. Acho bacana ser lembrado, mas os diletos amigos estão exagerando, enchendo a minha caixa de entrada e lotando a paciência.

É otimismo de sobra, abarcando uma gama de assuntos: deu uma topada violenta? Não reclame, pois é sinal de que aos poucos vai avançando;...se o cartão crédito estourou, não se apoquente, agora, no time dos inadimplentes, você é o mais simpático; ...se a mulher fugiu com o vizinho, não se desespere, reze apenas pelo pobre infeliz, e outras do mesmo teor.

Há, também, as cafonérrimas correntes religiosas, a maioria me  garantindo um lugar cativo no Reino Celeste, e, com a exigência de mandá-las incontinenti para certo número de vítimas, aliás, amigos, e receberei em troca um grande benefício, antes mesmo do jornal das oito.

Não compro a ideia de que o pensamento positivo mude qualquer situação, contudo, acredito que determinados fatos, em algumas circunstâncias, influenciam e modificam o pensamento.

Um exemplo é o que me contou o Otávio, camarada pródigo em arranjar mulheres e problemas. Inopinadamente, entrou numa fase braba, desempregado, sem crédito e, para completar, exagerando na cachaça. Ficou surpreso quando recebeu a intimação da Delegacia das Mulheres. De fato, errou ao dar umas pancadas na Doca e achava que o episódio findara, quando ela se mandou para a casa dos parentes, levando todos os seus trecos.

Sem tostão para o transporte, com o peso de todas essas mazelas no juízo, Otávio botou os pés no caminho da delegacia. Ora, se na lotação o percurso era feito em mais de uma hora, imagine quando chegaria lá, mesmo acelerando o passo. A cabeça era um repositório de ideias desencontradas.

Outros agravantes: a avenida era uma longa linha reta, sem desvios, o que às vezes distrai o cristão; a hora era imprópria para caminhadas, com o sol já quase no meio da sua trajetória e, de sobra, a dolorida impertinência de alguns calos, veteranos e novatos.

De longe ele avistou, na parada do ônibus, a mulher com a criança nos braços e alguns embrulhos. Percebeu que algo caiu da sua bolsa e o vento trazia esse algo ao seu encontro. Era uma nota de dez reais.
A mulher já estava atarantada sem encontrar o dinheiro, quem sabe, o único para o transporte e o alimento do filho.

O tempo decorrido entre apanhar e devolver o dinheiro foi muito curto, porém, suficiente para operar uma transformação nos dois. Naquela hora, Otávio esqueceu o sufoco, a liseira, a longa jornada a pé sob o sol quente, os calos cada vez mais doloridos e o futuro incerto. A mulher mudou a fisionomia de aflição para uma face de resolução e esperança.

Lá se foi o Otávio ao encontro da bronca que levaria da delegada, agora com uma leveza na consciência, como se seu ato já tivesse purgado uma grande parte dos pecados.

Quem quiser ter uma grande alegria hoje, mande esta crônica para dez amigos e...

*Assis Martins
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador.
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do 
Ensino Superior pela Universidade Federal do Ceará

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