quarta-feira, 1 de julho de 2015

ARTIGO (RMR)

A UTOPIA
Rui Martinho Rodrigues*


Apresentada como um norte para um mundo melhor, uma sociedade apolínea, as utopias são sedutoras. Formulá-las é tarefa de intelectual. Ele é o salvador, é o intelectual ungido, como diz Thomas Sowell. Não segui-lo é considerado sinal de desorientação.

Nenhuma utopia confessa o que pretende fazer com a dissidência, não admite a existência de divergência. Acha-se ela própria tão maravilhosa ao ponto de ninguém resistir aos seus encantos. Quem não acolhe os seus objetivos é ignorante, é alienado. Deve ser doutrinado. Persistindo a resistência é malvado. Deve ser destruído. É obstáculo à realização do maravilhoso projeto. Mas utopias não falam nisso. A única utopia sincera o bastante para dizer o que fará com os dissidentes é a celestial, que confessadamente reserva o inferno para eles.

Não obstante a presunção de superioridade moral e intelectual dos utopistas, lhes falta experiência histórica bem sucedida ou não seria utopia. A existência dos projetos de salvação supostamente laicos não vai além do mundo onírico. As maravilhosas promessas, porém, têm o condão de legitimar, como base na pseudoética dos fins, os meios mais torpes. Todas as grandes indignidades se fizeram em nome de causas maravilhosas. Só as utopias têm o poder de matar milhões.

Elas têm o DNA das revoluções. Oferecem um mundo novo e melhor. Apesar de nada começar do zero. A “grande solução” anda de mãos dadas com a violência e o controle, para remover os obstáculos ao “mundo melhor”. Os seus arautos apontam culpados, propõem castigos, têm horror ao contraditório. Daí a ideia de controle “social” da mídia. Revolucionário é golpista. Não cabe distingui-los dos golpes sob a alegação de que têm a “chave da história” para o “mundo melhor” e são altruístas. A tal chave da história, além de colecionar fracassos, é ideológica, não é científica. O suposto altruísmo é camuflagem para o que Nietzsche chamou de "vontade de potência". É sede de poder. É justificativa do totalitarismo.

(Publicado na edição de 30.06.2015 do Jornal O Povo)


*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Polític

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