SABER INTERDISCIPLINAR
NA
CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO
Vianney Mesquita*
Se um objeto muda sem cessar, ele
jamais poderá ser conhecido. (PLATÃO)
1. A Modo de Introdução
No estádio atual da Comunicação proveniente do estado d’arte das
Ciências, no que respeita às formas de expressão linguística de suas
descobertas com vistas a socializá-las, estudante, estudioso, curioso e mesmo o
diletante têm à disposição para discutir – quanto mais amiúde melhor – pelo
menos, dois pontos de relevância.
Cumpre, por primeiro, evidenciar a importância que, no tempo
corrente, em pleno século XXI, assumem a horizontalidade e as grandes conexões da Ciência. De fato,
estão redimensionados os limites, o princípio e o fim de cada uma das divisões
e subdivisões do saber.
Significa exprimir a ideia de não mais existir aquela
departamentalização didática rigorosa dos diversos terrenos disciplinares.
A Ciência parece se reencaminhar na convergência para a
Filosofia, da qual divergiu há tempos bastante transatos. Desaparecem, por conseguinte,
os segmentos, restando obedecida a reta inteira, numa constante relação de
interdependência, para o exercício dos distintos momentos do decurso
investigativo.
Há mais de 80 anos, verbi
gratia, Jaspers (1932), com base em Lahr, exprimia a opinião de que não
existe o saber particular. Reportando-se à antiga e sempre reverenciada
Escolástica (de Pedro Abelardo, Anselmo da Cantuária, Bernardo de Claraval e
tantos outros), entende ser impossível individualizar tudo, reunindo detalhes e
circunstâncias: non datur scientiae de
individuo.
Consoante seu Manual de
Filosofia, para Ludgero Jaspers, caso o objeto da Ciência radicasse no
particular, como seu primordial objetivo é conceituar e explicar, e pelo fato
de não existirem na Natureza dois seres, tampouco dois fatos totalmente idênticos,
a Ciência teria de “[...] formular tantas leis e definições quantos indivíduos
existem”.
Ele aduz (Op. cit.) ser este trabalho tão despropositado, quanto
insensato é definir um só, pois não é possível reunir numa só ideia,
estabelecer numa lei a pletora de detalhes e situações especiais constitutivas
do ser ou fato singular: Omne individuum
ineffabile – o todo individualizado
é inexprimível.
Já na intelecção do filósofo e botânico neerlandês Hugo de Vries
(Haarlem, 1848; Lunteren, 1935), ao estreitar o conceito de Ciência, esta
representa [...] um corpo de doutrina,
metodicamente formado e ordenado, que constitui um ramo particular do humano
saber. (In BRUGGER, 1969).
Esse autor chama a atenção para o fato de que o desdobre dos
objetos do conhecimento conduziu a uma gradual distinção das Ciências, com o resultante perigo de
estreitar a visão a um restrito domínio técnico e de se perder de vista as
“grandes conexões da totalidade do ser”. (ID. IBID.).
O outro ponto de saliência desta discussão é terminante e indescartável, pois situado na necessidade de se
conceber, não sem risco de erro, o universo vocabular de cada saber.
Por expressa razão, concebe-se o argumento de que não apenas o
posicionamento ante a obrigatoriedade do intercâmbio disciplinar deve ser mais
refletido, senão, também, há de ser avigorada a sistemática de adequação – e
até criação – dos léxicos próprios de todo saber. Malgrado com o xeque de
confronto e inadequação da linguagem emprestada, do tomador com o credor, o
desenvolvimento teórico e prático da procura científica precisa ser
incansavelmente debatido.
Por conseguinte, esses temas são dispostos em circulação,
especialmente em direção aos estudantes desse gradil didático do lato espectro
da Filosofia das Ciências, a fim de que tenham o ensejo de suscitar hesitações,
sugerir para enriquecimento do assunto e aportar conclusões, dirimindo tais
dúvidas.
Intencionalmente, não se indigitou, nesta reflexão, o modo como, em que grau, se efetua a vinculação
das diversas ramificações do conhecimento com a Ciência da Comunicação,
exatamente com a finalidade de estimular a demanda dos consulentes à literatura
pertinente e afim, exercitando suas habilidades e os auxiliando a ingressar,
conscientemente, neste debate até sua relativa exaustividade.
2 SABER INTERDISCIPLINAR
Em decorrência da universalização do conhecimento e do
consequente acesso de estudantes e curiosos às mais distintas classificações do
saber organizado, parece não haver mais, grosso
modo, aqueles rígidos parâmetros que lindavam, tempos atrás, os diversos
teores disciplinares, a não ser para efeito didático.
A Ciência – extensiva, horizontal e encadeada – se favorece de
toda a gama de informações e realidades, demandadas e encontradas com o rigor
dos procedimentos de busca que lhe devem ser próprios, para justificar,
demonstrar e explicar os fatos. Estes, procedentes do conhecimento não
unificado, oriundos da opinião comum, tiveram como resultado a verdade.
Não se assevera, evidentemente, seja essa verdade definitivamente certa, na forma final, intocável e
absoluta, inquestionável, pois passível de ser revista – e revisionada – na
constância do perene trajeto investigativo.
Com suporte nessa temporariedade presumida do feito científico,
na relatividade de sua certeza, os diversos sub-ramos das experiências do saber
acumulado, com remissão especial àqueles jungidos à vida social (custoso, senão
impossível, desagregar do social qualquer disciplina), se penetram, sem
respeitar os limites que a Didática “ultrapassada” houve por bem traçar para
conferir maior trabalhabilidade ao ensino, máxime nos seus níveis mais
elementares.
Aqui o ensino acha de considerar um conhecimento estanque, como
se as certezas relativas não dependessem umas das outras para prosperar com a
busca e alcance do saber a que Herbert Spencer, filósofo inglês, fundador da
Filosofia Evolucionista (Derby, 27.04.1820; Brighton, 08.12.1903), denominou de
parcialmente unificado.
Desta arte, ao divisar o ponto gnosiológico e preterir – entretanto
sem desprezar – as sistematizações da Didática para o elementar,
reconhecidamente válida e eficaz para suas proposições, é que, numa linha
discursiva epistemológica, é defeso, exempli
gratia, examinar a Química no seu geral, sem a interveniência dos fenômenos
de Física, Matemática, Lógica e Biologia.
Decerto, inexiste um “aqui termina a Matemática”. Tampouco se
cogita em um como “aqui tem começo a Física”. Resulta interdito fazer a traça,
mesmo simplificada, da Ciência Econômica, sem se estar de posse de referenciais
extraídos da História. Será deveras difícil, ou mesmo inexequível, a análise
profunda de um paciente nervosamente desordenado, se não se detiver noções de
suas procedências genéticas, da etiologia de seus desalinhos mentais,
encadeadas com informações concernentes ao seu passado e presente sociais, do
desenvolvimento antropológico de tal pessoa – físico quanto etnológico – de suas
relações com o poder e o Estado, e por diante.
Há, noutra remissão exemplificativa, enorme dificuldade de
identificar a que setor do conhecimento se vinculam alguns problemas da vida
comunitária de pessoas e grupos humanos, se à Etnologia (Antropologia
Cultural), à Sociologia ou à Psicologia Social.
A igual, sucede com a Física, a Eletrônica e a Biologia, na
consorciação desses três saberes para o estabelecimento da Biodinâmica ou
Teoria das Forças Vitais, da Biofísica (processos biológicos por meios físicos)
e da Biônica – Biologia + Eletrônica et
reliqua.
Modernamente, todavia, tais constituem pontos somenos, porquanto
a Didática já se adaptou a esta exigência científica, de sorte que o busílis não
é mais este do confinamento disciplinar.
Um problema, contudo, facilmente eludível (entende-se), se
pacientemente acordado entre estudiosos, é aquele atinente ao léxico subsumido
por parte de todo saber.
A terminologia de emprego “particular” de cada Ciência, ramo ou
sub-ramo merece realmente a atenção de quem estuda, pesquisa, relata e publica.
Há a denominada “univocidade de conceitos” em Ciência, e este é outro óbice que
a Didática precisa ajudar a remover, jamais, isto é, no tocante ao saber acerca
do social.
A Língua Portuguesa, na sua riqueza polissêmica e homonímica,
demonstra-se, muita vez, sincrítica, ou seja, traz antíteses nas significações de
alguns termos, o que ajudaria bastante se a Ciência corresse apenas nas
comunidades de código lusófono.
O vocábulo unívoco, verbi gratia, possui duas significações
absolutamente antitéticas e paradoxalmente antinômicas: 1 “que se aplica a
muitas coisas do mesmo gênero e da mesma
ou diferente espécie”; e 2 “que só admite uma forma de interpretação; homogêneo, uníssono ou homônimo”.
(FERREIRA, 1972 – impôs-se negrito).
Ora, na sua universalidade, a Ciência parece adotar a segunda
acepção, o que submete a snooker os
sistematizadores de áreas recentes do conhecimento, [...] “em confronto [...]
com as óticas (sic) entrincheiradas
das disciplinas acadêmicas já (sic)
consagradas”. (EPSTEIN, 1987, p.88).
Ex
expositis, valerá, então, a engenhosidade, a indústria de cada qual, ao
fazer funcionar o sistema das adaptações. Com recorrência, será necessário
(felizmente ou não? – pergunta-se aos puristas) cunhar neologismos, o que a
Gramática, também científica, poderá não apreciar. Certamente, porém, ao
validar a diacronia própria de cada sistema glossológico, aceitará o fato e o
perfilhará, na dependência da sujeição às regras científicas de formação
vocabular, como são, p.e., as derivações regressiva
e implícita, determinantes na
consolidação das palavras novas decorrentes da evolução natural de cada código
idiomático.
Por conseguinte,
[...]
será necessário mais do que metáforas oportunas ou criativas: os conceitos
velhos adaptados ou novos criados (sic)
deverão se ajustar à realidade que pretendem descrever [...]. Em suma, a visão
interdisciplinar deverá dispor de uma linguagem adequada [...]. (EPSTEIN, 1987,
p.88),
uma espécie de Esperanto da Ciência em geral, o que é bastante
factível.
Solucionado o problema, até mais complexo, dos limites e do
aparelhamento conceitual dos diversos saberes, a composição dos léxicos parece
constituir sequela natural do fenômeno.
3 COMUNICAÇÃO E DEPENDÊNCIA INTERDISCIPLINAR
Cuidadas de modo ligeiro no item imediatamente anterior, as
mesmas aposições, todavia, cumpre se proceder, também, relativamente à
Comunicação: nos casos da limitação de objetos materiais e da tese da
univocidade e adaptação de léxicos conceituais.
Célula do conhecimento empiricamente antiga e cientificamente
nova, a Comunicação veio tomar ares de sistema investigado, com maior vigor, depois
da Segunda Guerra Mundial.
Diversos estudos sistemáticos, entretanto, de fatos,
instrumentos e aparelhos, componentes, hoje, do seu universo de emprego e
pesquisa tecnológica em franco desenvolvimento, haviam sido realizados desde os
começos do século XIX, sem delimitar-se, por impossível, um marco de início,
seguramente distante, no tempo, dos primeiros sucessos práticos, de aplicação
na sociedade.
De 1940 a 1950, faz notar Morin (1972), a Sociologia das
Comunicações de Massa, calcada no célebre estudo do paradigma para orientar a
apreciação científica dos variados aspectos da comunicação coletiva, proposto
pelo cientista político ianque Harold Lasswell (Donnellson – Ilinois,
13.02.1902; 18.12.1978), já constituía a subdivisão mais original da Sociologia
da América do Norte. Esta informação corrobora, pois, a preeminência do seu
estudo teórico intencional como significativa novidade da senda das matérias
referentes ao social. Consoante o esquema de Lasswell, o exame científico da
Comunicação tem estribo nos itens delineados na sequência.
- QUEM – fatores que iniciam e guiam o ato da Comunicação =
análise de controle;
- DIZ O QUÊ – análise de conteúdo;
- EM QUE CANAL – meios interpessoais ou de comunicação coletiva
= análise de meios;
- A QUEM – pessoas atingidas por esses meios = análise de
audiência; e
- COM QUE EFEITOS – impacto da mensagem sobre a audiência = análise
de efeito.
O relacionamento interdisciplinar da Comunicação – deixando-se
de inventariar fases e fatos de sua história científica recente – é tão
flagrante que se poderia deixar de reportar, na pressuposição de que a
referência fosso trivial.
É conveniente e útil, contudo, realçar a vinculação
comunicacional com diversas disciplinas do elenco das Ciências, para demonstrar
a enorme dependência guardada reflexivamente.
Quase toda a grade conceitual da Comunicação é montada sobre a
terminologia das Ciências Sociais, ideia a que se retornará a escólio logo
mais.
No exame do primeiro caso, respeitante ao ilimitado campo de
abordagem de cada unidade disciplinar, fácil será estabelecer conexão da
maioria das Ciências com a Comunicação.
Os aprendizes, “engenheiros” e mestres da Ciência poderão
executar ao máximo às ligações, levando em conta as que
se procedem à frente e aquelas mencionadas, quando se feriu o assunto relativo
a qual vertente do saber são alocados alguns problemas comunitários.
Liga-se à Física quanto à Química e à Biologia; vincula-se
extraordinariamente à Estatística e à Lógica; une-se, frequentemente, ao
Direito e à Ética, à Economia, à Ecologia; incursiona permanentemente pela
História e, com frequência, convive e é visitada pela Geografia; constitui a
própria essência da Informática e traz à colação, de ordinário, fórmulas e
compreensões da Matemática; está, em muitos passos, umbilicalmente ligada à
Psicologia; não pode ser dissociada da Estética, nem das Artes, tampouco das
Letras e da Poética; integra a Linguística e adjetiva a Semiótica.
4 À MANEIRA DE REMATE
Ex
positis, a Comunicação representa, alfim, o emprego da Ciência em favor
do escambo sígnico social, espécie de cadinho onde se funde a língua empregada
pela Humanidade para tocar o progresso e acumular a cultura.
No concernente ao segundo caso – adequação da linguagem – não é
muito difícil a elaboração lexical da Comunicação, porquanto veste o pano
conceitual da Sociologia, de nomenclatura e terminologias unívocas acatadas
pela comunidade científica internacional, naquilo que se compadece ao exame dos
ingredientes sociais.
Simultaneamente, também, fala e escreve as codificações das
várias Ciências do Natural, do Físico e até do Sobrenatural, de que se utiliza,
sem muitas queixas das óticas
entrincheiradas, às quais se reportou Isaac Epstein.
Tal hibridismo léxico propiciou a formação de um já
significativo glossário próprio de termos e unidades de ideias originadas de
línguas diversas, em uso constante e no banco, a fim de complementar palavras e
enunciados tomados a outros orbes vocabulares, que servirão de adjutório para
extinção daquelas pouco consentâneas metáforas
criativas, divisadas pelo prefalado autor (1987).
Assim configurado, prosseguem os ensaios de Comunicação, no
concerto de seu universo conceitual linguístico, e mediante verdadeiro
“contrato de comodato” com a terminologia científica, adventícia, entretanto, afim,
alçando-se a patins dignos e a resultados excepcionais na discussão, debate e
explicação das suas descobertas e funções na qualidade de componente da
Ciência.
REFERÊNCIAS
BRUGGER, Walter. Dicionário
de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Herder, 1969. (Trad. Antônio Pinto de
Carvalho).
DE VRIES, Hugo. Ciência, in
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia
[...].
EPSTEIN, Isaac. Desafios da interdisciplinaridade. São Paulo: Revista Intercom, 56, 1987.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo:
Nacional, 1987.
JASPERS, Dom Ludgero. Manual
de Filosofia. 6. ed. São Paulo-Caieiras; Rio de Janeiro: Melhoramentos,
1932.
MESQUITA, Vianney. Comunicação e Conhecimento Interdisciplinar. Revista Comunicarte. Campinas: PUCCAMP,
1988.
MORIN, Edgar. Novas Correntes no Estudo das Comunicações de
Massa. In Cultura e Comunicação de Massa.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972.
*João VIANNEY Campos de MESQUITA é Prof. Adjunto IV da UFC. Escritor e jornalista. Acadêmico Titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Árcade fundador da Arcádia Nova Palmaciana. Membro do Conselho Curador da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura-FCPC-UFC.
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