sábado, 4 de julho de 2015

ARTIGO (RV)

A ELEGÂNCIA DA BENGALA
E O VÍCIO DA MULETA VERBAL
Reginaldo Vasconcelos*


O uso da bengala pode ser necessário, mas sempre é útil e já foi adotado como recurso de elegância, entre os Séculos XIV e XIX. 

O sonho dos meninos dos anos 60, aliás, era obter uma versão infantil dos trajes janotas do canadense Bat Masterson, legendária figura do velho-oeste americano, delegado de polícia e jornalista (1853-1921).

Ele foi personagem central de um famoso seriado, nos primórdios da TV, interpretado pelo ator Gene Berry, e era marcado pelo uso de um chapéu coco e de uma indefectível bengala, que manejava com grande destreza, e da qual fazia usos prodigiosos, de cortesia ou de autodefesa. 

A bengala, na verdade, é uma evolução simplificada do cajado, que da pré-história até o medievo, passando pela antiguidade, em todas as culturas e por todas as latitudes do Planeta, as pessoas utilizaram, de forma generalizada, para a sua segurança.
 
Os cajados não só serviam de apoio ao corpo (em tempos de maus pavimentos e de nenhuma terraplenagem), mormente os mais idosos, os pastores, os montanheses, os peregrinos,  mas também como arma eficiente contra o ataque de bichos em geral – cobras, lobos, ursos – e, eventualmente, agressores beluínos da própria espécie humana.

Tal sorte que esse instrumento, tantas vezes referido na Bíblia, a depender de sua constituição material e de sua configuração artística, tornou-se símbolo de status, haja vista o báculo dos dignitários católicos e os cetros dos reis e imperadores. E até o “bastão de comando” utilizado por oficiais generais, uma simplificação reduzida do cajado, como  símbolo de poder. 
 
Alguns cajados bíblicos são referidos até como tendo dotes mágicos, capazes de conferir aos seus portadores proteção divina e excepcional sabedoria.

O cajado, na antiguidade, atingiu tal importância que o seu uso se tornou socialmente obrigatório, tanto assim que somente os idiotas não recorriam ao seu apoio. A palavra “imbecil”, na sua origem etimológica latina, significa “sem bastão”.

Pois bem. A bengala física não é mais adotada na indumentária masculina, estando restrita aos idosos e  aos claudicantes. Mas na acepção de recurso da escrita, a “bengala” continua elegante, além de útil e necessária.

Já a muleta, uma evolução mais elaborada e especializada da bengala, no caso da escrita um vício de linguagem, serve àqueles a quem falte uma perna, e não somente aos que precisem de firmeza.

Todos os bons oradores e redatores constantemente recorrem a “bengalas” gramaticais para embelezar o seu discurso, bem como para lhe conferir maior clareza. É natural e aceitável. Refiro-me às figuras de linguagem em geral – a metáfora, a silepse, o anacoluto...

Porém, a imprensa brasileira de hoje está cheia de textos, escritos e falados, que adotam uma linguagem repleta de “muletas”, de que se lança mão por falta de recursos vocabulares mais legítimos.

São normalmente originadas em gírias arbitrárias e usos modernosos essas muletas verbais de que se socorrem de forma recorrente os que não têm o necessário domínio da língua, para conseguirem se expressar.

O “de repente” e o “tipo assim” são dois exemplos que passaram anos atormentando o português brasileiro, e felizmente desapareceram dos discursos. Contudo ficou o “assim”, o “então”, o “então assim”, o “mas, assim...” e o “e assim...” aplicados sem necessidade qualquer, sempre que se vai iniciar uma explicação. Mas, mesmo sem explicação nenhuma, o vício joga a palavra nos meio das frases, sem fazer nenhum sentido.

Uma muleta infame que é recorrente no jornalismo policial de TV, inclusive na Rede Globo, a despeito do notório “padrão de qualidade” da emissora, é a aplicação repetitiva do advérbio “aí” onde ele não tenha cabida nem sentido. “O crime aconteceu aí na Rua das Couves, aí por volta das 20 horas”.

Agora há outra praga viciosa que vem servindo de muleta aos apresentadores da Globo: é a indagação exclamativa “viu!?”, que encerra diálogos entre os participantes dos programas. “Seja bem-vindo, viu!?”, diz o apresentador Sérgio Grosmann aos seus convidados. “Até amanhã, viu!?” diz a apresentadora do telejornal ao colega de emissora afiliada. A moça do tempo diz que “vai fazer bom tempo no litoral do Nordeste, viu!?”. 


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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