A ELEGÂNCIA DA BENGALA
E O VÍCIO DA MULETA VERBAL
Reginaldo Vasconcelos*
O uso da bengala pode ser necessário, mas
sempre é útil e já foi adotado como recurso de elegância, entre os Séculos XIV
e XIX.
O sonho dos meninos dos anos 60, aliás, era
obter uma versão infantil dos trajes janotas do canadense Bat Masterson,
legendária figura do velho-oeste americano, delegado de polícia e jornalista
(1853-1921).
Ele foi personagem central de um famoso
seriado, nos primórdios da TV, interpretado pelo ator Gene Berry, e era marcado
pelo uso de um chapéu coco e de uma indefectível bengala, que manejava com
grande destreza, e da qual fazia usos prodigiosos, de cortesia ou de
autodefesa.
A bengala, na verdade, é uma evolução
simplificada do cajado, que da pré-história até o medievo, passando pela
antiguidade, em todas as culturas e por todas as latitudes do Planeta, as
pessoas utilizaram, de forma generalizada, para a sua segurança.
Os cajados não só serviam de apoio ao corpo
(em tempos de maus pavimentos e de nenhuma terraplenagem), mormente os mais
idosos, os pastores, os montanheses, os peregrinos, mas também como arma eficiente contra o ataque
de bichos em geral – cobras, lobos, ursos – e, eventualmente, agressores beluínos
da própria espécie humana.
Tal sorte que esse instrumento, tantas
vezes referido na Bíblia, a depender de sua constituição material e de sua
configuração artística, tornou-se símbolo de status, haja vista o báculo dos
dignitários católicos e os cetros dos reis e imperadores. E até o “bastão de
comando” utilizado por oficiais generais, uma
simplificação reduzida do cajado, como
símbolo de poder.
Alguns cajados bíblicos são referidos até
como tendo dotes mágicos, capazes de conferir aos seus portadores proteção
divina e excepcional sabedoria.
O cajado, na antiguidade, atingiu tal
importância que o seu uso se tornou socialmente obrigatório, tanto assim que
somente os idiotas não recorriam ao seu apoio. A palavra “imbecil”, na sua
origem etimológica latina, significa “sem bastão”.
Pois bem. A bengala física não é mais
adotada na indumentária masculina, estando restrita aos idosos e aos claudicantes. Mas na acepção de recurso da
escrita, a “bengala” continua elegante, além de útil e necessária.
Já a muleta, uma evolução mais elaborada e
especializada da bengala, no caso da escrita um vício de linguagem, serve
àqueles a quem falte uma perna, e não somente aos que precisem de firmeza.
Todos os bons oradores e redatores
constantemente recorrem a “bengalas” gramaticais para embelezar o seu discurso,
bem como para lhe conferir maior clareza. É natural e aceitável. Refiro-me às
figuras de linguagem em geral – a metáfora, a silepse, o anacoluto...
Porém, a imprensa brasileira de hoje está
cheia de textos, escritos e falados, que adotam uma linguagem repleta de “muletas”,
de que se lança mão por falta de recursos vocabulares mais legítimos.
São normalmente originadas em gírias
arbitrárias e usos modernosos essas muletas verbais de que se socorrem de forma
recorrente os que não têm o necessário domínio da língua, para conseguirem se
expressar.
O “de repente” e o “tipo assim” são dois
exemplos que passaram anos atormentando o português brasileiro, e felizmente
desapareceram dos discursos. Contudo ficou o “assim”, o “então”, o “então
assim”, o “mas, assim...” e o “e assim...” aplicados sem necessidade qualquer,
sempre que se vai iniciar uma explicação. Mas, mesmo sem explicação nenhuma, o
vício joga a palavra nos meio das frases, sem fazer nenhum sentido.
Uma muleta infame que é recorrente no
jornalismo policial de TV, inclusive na Rede Globo, a despeito do notório
“padrão de qualidade” da emissora, é a aplicação repetitiva do advérbio “aí”
onde ele não tenha cabida nem sentido. “O
crime aconteceu aí na Rua das Couves, aí por volta das 20 horas”.
Agora há outra praga viciosa que vem
servindo de muleta aos apresentadores da Globo: é a indagação exclamativa
“viu!?”, que encerra diálogos entre os participantes dos programas. “Seja bem-vindo, viu!?”, diz o apresentador Sérgio Grosmann aos seus convidados. “Até
amanhã, viu!?” diz a apresentadora do telejornal ao colega de emissora afiliada. A moça do tempo diz que “vai fazer bom tempo no litoral do Nordeste, viu!?”.
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