quinta-feira, 30 de abril de 2015

CRÔNICA (AM)

  
FEL PARA UM EMBUSTEIRO
(Lances Gaiatos do Teatro)
Assis Martins*

Os homens inclinam-se naturalmente a julgar virtuosos os outros homens; é aí que está a vantagem dos impostores e trapaceiros. (Abade GALLIANI – 1728-1787).

Está no misto do anedótico e veraz cearense uma presepada das grandes que fizeram com o Chico Bastião, numa representação do Mártir do Gólgota (Almeida Garret), aqui em Fortaleza. Ele era um dos atores mais competentes no papel de Jesus Cristo, durante muitos anos. Uns dizem que aconteceu nos palcos da Piedade, outros informam que foi no Theatro José de Alencar. A autoria da brincadeira é atribuída em versões diversas a pessoas diferentes, mas a maioria assevera que aconteceu, de verdade.

Nos intervalos das peças, a birita corria sempre solta. A canalha levava o tira-gosto que, escondido entre as rotundas e cenários de papel de cimento, fazia o regalo dos papudinhos, com o devido cuidado para o diretor não descobrir. O resultado era a euforia geral no fim dos espetáculos. Ainda bem que não havia exame antidoping nos apóstolos; tampouco nos figurantes. Nem na Guarda Pretoriana.
 
Até que a brincadeira não melindrou o Chico. Pelo contrário. Ele até gostou. Aconteceu no palco do [...]. Já ouvi diversas variantes, com menção a locais diferentes.

Final dos últimos atos, casa superlotada, o pessoal já muiado e, em cena, o Cristo, moribundo na Cruz, consegue balbuciar:  Tenho sede! Deem-me água...! Um soldado responde com rispidez:  Prova deste fel; tu bem o mereces, embusteiro...! Então, esfrega na Sua boca uma lança com a ponta enrolada com algodão embebido em cachaça Palmacinha.

E eis que o grande ator sacrodramático, Chico do Bastião, consegue ainda dizer, antes do Consummatum est: mais fel, mais fel...


*Assis Martins 
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador. 
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do Ensino Superior 
pela Universidade Federal do Ceará.


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