terça-feira, 7 de abril de 2015

ARTIGO (RMR)

POLÍCIA OMISSA
Rui Martinho Rodrigues*


O conflito estava instalado. Uma senhora, morando em uma casa cuja entrada é partilhada com a residência da filha, fechou o portão de acesso comum para as duas residências, impedindo os moradores da casa da filha de entrarem no próprio domicílio. O pretexto foi uma briga entre o genro e um cunhado deste. A polícia havia sido chamada para a briga entre os cunhados. O genro afastou-se de casa momentaneamente para evitar o agravamento do conflito.

A filha da senhora do cadeado, depois de deixar o marido em lugar distante, retornou. Mas viu-se impedida de entrar em casa, pela corrente e cadeado postos pela mãe no portão.

Novamente a polícia foi chamada. Sabendo que se tratava de briga de vizinhos e parentes, não se apressou. O chamado foi reforçado por dois telefonemas de vizinho policial militar. Finalmente a polícia apareceu. O policial do Ronda explicou que a senhora do cadeado não poderia impedir o acesso dos vizinhos ao próprio domicílio.

A valente senhora simplesmente disse que não abriria, e pronto. Alguém tentou explicar ao policial que aquele era um caso de exercício regular de direito (art. 23, III do Código Penal), que exclui a ilicitude e permite o uso da força por particulares, para o resguardo de seus direitos. Era o caso.

O policial recusou-se a mencionar a legitimidade do uso da força para garantir o exercício um direito (ter acesso ao próprio domicílio). Achou pouco e disse que se os ânimos não se acalmassem ele iria embora. Isto é: a polícia, no caso específico, se afasta de um ambiente conflitivo quando é mais necessária, lavando as mãos, deixando os cidadãos entregues à própria sorte.

Estímulo maior ao exercício da autotutela não pode haver. Assim estimulado, alguém fez uso da força e tomou a corrente das mãos do companheiro da valente senhora, que também esbravejava e transpirava grande valentia, pois a dita corrente havia sido provisoriamente retirada, para a valente senhora falar com os policiais. O valentão não reagiu. Não houve tragédia (até agora). Mas a omissão policial merece uma reflexão.

O que teria levado a polícia a se omitir?

O poder de polícia consiste em intervir em face da conduta de particulares, se preciso for, limitando-lhes algum direito para resguardar interesses legítimos de terceiros. A chamada polícia Militar é uma polícia administrativa. Seus atos se enquadram entre os atos administrativos, os quais gozam de presunção de legitimidade e de autoexecutoriedade. O policial não deveria deixar o conflito rolar enquanto a justiça, superocupada com milhões de ações, decide a questão e manda executar a decisão.

Este tipo de omissão certamente é motivada pelo barulho de grupos “politicamente corretos”, que preconceituosamente entendem que a polícia está sempre errada e que o diálogo é infalível, sendo sempre desnecessário o uso da força. Assim a polícia perde protagonismo e deixa de ser proativa, embora a PM seja uma polícia preventiva por destinação constitucional.

Compreende-se que a sociedade esteja tão violenta.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Titular Emérito de sua Cadeira de nº 10

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