POLÍCIA OMISSA
Rui Martinho Rodrigues*
O conflito estava instalado. Uma
senhora, morando em uma casa cuja entrada é partilhada com a residência da
filha, fechou o portão de acesso comum para as duas residências, impedindo os
moradores da casa da filha de entrarem no próprio domicílio. O pretexto foi uma
briga entre o genro e um cunhado deste. A polícia havia sido chamada para a
briga entre os cunhados. O genro afastou-se de casa momentaneamente para evitar
o agravamento do conflito.
A filha da senhora do cadeado, depois
de deixar o marido em lugar distante, retornou. Mas viu-se impedida de entrar
em casa, pela corrente e cadeado postos pela mãe no portão.
Novamente a polícia foi chamada.
Sabendo que se tratava de briga de vizinhos e parentes, não se apressou. O
chamado foi reforçado por dois telefonemas de vizinho policial militar.
Finalmente a polícia apareceu. O policial do Ronda explicou que a senhora do
cadeado não poderia impedir o acesso dos vizinhos ao próprio domicílio.
A valente senhora simplesmente disse
que não abriria, e pronto. Alguém tentou explicar ao policial que aquele era um
caso de exercício regular de direito (art. 23, III do Código Penal), que exclui
a ilicitude e permite o uso da força por particulares, para o resguardo de seus
direitos. Era o caso.
O policial recusou-se a mencionar a
legitimidade do uso da força para garantir o exercício um direito (ter acesso
ao próprio domicílio). Achou pouco e disse que se os ânimos não se acalmassem
ele iria embora. Isto é: a polícia, no caso específico, se afasta de um ambiente
conflitivo quando é mais necessária, lavando as mãos, deixando os cidadãos
entregues à própria sorte.
Estímulo maior ao exercício da
autotutela não pode haver. Assim estimulado, alguém fez uso da força e tomou a
corrente das mãos do companheiro da valente senhora, que também esbravejava e
transpirava grande valentia, pois a dita corrente havia sido provisoriamente
retirada, para a valente senhora falar com os policiais. O valentão não reagiu.
Não houve tragédia (até agora). Mas a omissão policial merece uma reflexão.
O que teria levado a polícia a se
omitir?
O poder de polícia consiste em
intervir em face da conduta de particulares, se preciso for, limitando-lhes
algum direito para resguardar interesses legítimos de terceiros. A chamada
polícia Militar é uma polícia administrativa. Seus atos se enquadram entre os
atos administrativos, os quais gozam de presunção de legitimidade e de
autoexecutoriedade. O policial não deveria deixar o conflito rolar enquanto a
justiça, superocupada com milhões de ações, decide a questão e manda executar a
decisão.
Este tipo de omissão certamente é
motivada pelo barulho de grupos “politicamente corretos”, que preconceituosamente
entendem que a polícia está sempre errada e que o diálogo é infalível, sendo
sempre desnecessário o uso da força. Assim a polícia perde protagonismo e deixa
de ser proativa, embora a PM seja uma polícia preventiva por destinação
constitucional.
Compreende-se que a sociedade esteja
tão violenta.
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