sexta-feira, 17 de abril de 2015

CRÔNICA (AM)

Um Assunto Puxa Outro

Muitas vezes, fico imaginando como é interessante esse mecanismo ocorrente quando as pessoas, Conhecidas ou não, conversam e os temas vão se diversificando dinamicamente, assim como se um assunto puxasse o outro.

Parece que determinadas palavras servem de senha para outras que pertencem a um contexto totalmente diverso. Por exemplo, quando alguém diz por falar nisso, me lembrei que...; ou, então, agora que você disse isso, eu vou lá e...

Essas divagações me ocorreram quando vi um acontecimento inusitado numa avenida próxima ao meu trabalho, aqui em Fortaleza.

Acreditem ou não, um peixe foi atropelado!

Exatamente isso: ocorreu o atropelamento de um peixe, o que ensejou o ajuntamento de várias pessoas, cada qual com opiniões as mais diferentes.

O fato aconteceu numa área de grande tráfego, aumentado nesse dia em razão de obras nas vias adjacentes, o que obrigava todos os condutores a desembocarem seus veículos naquela esquina. Era uma tremenda confusão: motoristas impacientes, motoboys afoitos, semáforos inúteis e pedestres reticentes na travessia. Inclusive eu.

Foi quando notei o peixeiro, apressado com o seu produto no ombro, dando sinais de impaciência, esperando uma brecha para passar. Inopinadamente, deu um pique na minha direção e por pouco não foi atropelado por um ônibus. Se ele, porém, teve sorte, o mesmo não se pode dizer da sua valiosa mercadoria, pois um peixe se soltou das amarras e "plaft!" Foi colhido por um carro que vinha logo atrás.

Desconsolado, com o susto ainda visível em todo o semblante, o pobre apenas balbuciava: eita pau, logo o maior...!

Nesse momento, se formou um grupo ao seu redor donas de casa, estudantes, malandros, empregadas domésticas e até um senhor de óculos, portando valise e com cara de intelectual.

É de praxe, nessas ocasiões, surgirem os comentários, todos falando ao mesmo tempo e com muita propriedade, num entrecruzar de assuntos.

– Puxa vida, que sorte a sua; agora, o coitado do peixe...!

– Peixão bonito! Acho que é um pargo, ou será uma guaiúba?

– O senhor tem razão, o vulgo chama esse peixe de pargo, mas na realidade é uma espécie de Pagrus Pagrus, classe Actinopterygii, ordem Perciformes, da família Sparidae. Encontra-se em fundos rochosos nas regiões costeiras dos 10 aos 300 metros de profundidade. É hermafrodita e... (Depois, procurei saber, ele era pesquisador do LABOMAR – U.F.C.)

– Eu acho esse peixe tão reimoso!

– Não, mais reimoso é o cangulo!

– Ah! cangulo é muito bom; então, no leite do coco... respeite!

O chato é tirar o couro dele, que é muito duro.

– Irmão, que vacilo! Tu devia ter dado um tempo que ainda tava com o tira-gosto aí inteirão (sic) – opina um jovem, com um peixinho tatuado no ombro.

Aos poucos, esfriada a novidade, o grupo foi se dissolvendo, cada um retomando o itinerário. Restou apenas um senhor idoso, que tentou confortar o peixeiro.

– Se aperreie não! o senhor ainda ficou com três peixes e não teve nenhum arranhão, o que é mais importante.

– É verdade, mais tem Deus pra me dar.

O pobre pargo (ou Pagrus Pagrus) ficou lá esmagado no asfalto e os dois se foram conversando. Ninguém sabe os assuntos daquele diálogo. Talvez alguma coisa em comum  pescarias, infâncias à beira-mar, as farras da juventude, mulheres apetitosas etc.

As palavras, uma vez ditas, não voltam. Parece que elas ficam pairando no espaço, e, na ocasião propícia, em situações muitas vezes esdrúxulas, se encaixam em diálogos entre pessoas que provavelmente nunca mais se encontrarão.


*Assis Martins 
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador. 
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do Ensino Superior 
pela Universidade Federal do Ceará.

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