segunda-feira, 13 de abril de 2015

ARTIGO (PMA)

AFIRMAÇÃO REPRIMIDA
Paulo Maria de Aragão*


Em proporções epidêmicas, a Aids, a nova peste negra, atormenta a humanidade, a exemplo do surto do vírus ebola. Entre as guerras localizadas, já preocupa o pânico, terror com a criação de um califado nas zonas conquistadas do Iraque e Síria e pelas atrocidades praticadas. Sofre o homem também os efeitos do progresso, pelos quais é arrastado num turbilhão cada vez mais louco. A automação eletrônica parece não permitir que ele seja mais feliz. Torna-se beneficiário e vítima da ciência.

Afora a violência de si contra si mesmo, há violência dele contra os bens naturais. Sacrifica a natureza, escasseia a ocorrência da fotossíntese. Paradoxalmente ao que procura, as chaminés das fábricas, os gases desprendidos dos veículos, o aumento da poluição sonora acarreta ao ambiente e à saúde humana, inclusive, o aumento da pressão sanguínea, do ritmo cardíaco e das contrações musculares. As metrópoles estão envenenadas. Nelas há carência de oxigênio e excesso de gás carbônico. Atrás da imponência transformam-se ainda em fonte de selvageria, em indústrias do medo.

A tecnologia trouxe ainda a industrialização e a urbanização. Com elas surgiram consequências delitivas. Não obstante as preocupações sociais que aumentam assustadoramente, não representam totais tão trágicos, quanto as motivadas pelo automóvel.

Os índices de acidentes de trânsito no país são estarrecedores. Em 2012, registraram-se mais de 60.000 mortos - um aumento de 4% em relação a 2011, quando foram pontuados 352.000 casos de invalidez permanente. Números dramáticos, um desafio à competência dos administradores urbanos, aos engenheiros de tráfego. E as estatísticas padecem sempre de deficiência fundamental: são considerados mortos em acidentes apenas os falecidos no local. Estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde - OMS, concluiu que 20% das vítimas morrem no primeiro ano após os desastres. Além disso, o que dizer dos órfãos que ficam? E das mães que choram a própria viuvez?

Comportando-se como robô, por trás do volante, o homem esquece a urbanidade e se torna mais agressivo à medida que é estimulado pelo espírito emulativo. Um primata que se supõe um deus, soltando fumaça pela válvula de escape e pela velocidade dos instintos represados.

O automóvel transformou-se numa arma. O motorista usa-o como meio de afirmação social e de libertação das ansiedades reprimidas no confinamento do cotidiano. Dele faz, ainda, instrumento circense e se torna exibicionista, adquirindo, também, o prazer pelo perigo. Passa daí, a achar que o pedestre é que tem obrigação de lhe dar passagem, não o inverso.

Por outro viés, a legislação continua tolerante e complacente. Estimula a impunidade, ganhando dia a dia maior significação criminológica, por não reprimir, com rigor, abusos dos que torturam indefesos e enlutam famílias. O automóvel foi projetado para o transporte de pessoas e não concebido como “arma” mortífera para ser colocado às mãos psicopáticas.

Estudando a psicologia do motorista, Roger Piret parte de um dos instintos mais fundamentais e enraizados na alma humana: o instinto de domínio (sentimento de potência), e ensina que um condutor de um veículo tende a identificar-se com ele: “O homem forma corpo com o instrumento de propulsão, fato este observado no cavaleiro e no ciclista, e mais acentuadamente, no motorista, que dispõe de meios de locomoção puramente mecânicos”.

Não bastam os radares e outros sofisticados aparelhos de fiscalização empregados pela polícia de trânsito. Mais eficiente seria um trabalho voltado para conscientizar e educar. Ou seja, uma sociedade cônscia de seus deveres e obrigações dispensaria, até mesmo, semáforos.

O sinal vermelho não deveria servir de adorno. Triste realidade... e pelo andar da carruagem: salve-se quem puder.


* Paulo Maria de Aragão 
Advogado e professor 
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira nº 37 da ACLJ

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