SECA:
DRAMA SECULAR
Sem medir as palavras e sem qualquer cerimônia, um abastado
fazendeiro da região central do estado, influente político,
jactava-se de sua prosperidade: “A
seca continua sendo o melhor negócio, pois ela sempre me rendeu mais do que a
chuva”.
Do ponto de vista socioeconômico, vê-se o porquê da
inexequibilidade da reforma agrária na região nordestina. As chuvas contrariam
o subjugador que explora o incauto sertanejo sob a ótica política e financeira.
Abertura de frentes de serviços, distribuição de alimentos, construção
de açudes e outros itens provenientes de recursos públicos são meros
paliativos. Muitas vezes, servem mais às propriedades privadas do que às
comunidades desassistidas.
Dúvida não há de que já se dispõe das mais sofisticadas
tecnologias para pôr termo a esse drama secular. Será que o nordestino, figura
nobre, forte e corajosa, nasceu sob a sina do infortúnio, discriminado, vivendo
de olhos voltados para o céu a rogar por chuvas?
Dezenove de março é o dia de São José, o padroeiro do Ceará, véspera do solstício, integrado à cultura popular como
data da previsão: não chovendo, a seca é quase certa, e se inicia o
quadro de horror: o solo fende-se, a tristeza se espalha, começa a retirada,
homens, mulheres e crianças ganham as estradas do “progresso” em busca
da sobrevivência.
Parece, no entanto, que o quadro apenas sensibiliza o brasileiro
nos versos de tristeza e dor, como os descritos em “Asa Branca”, “Último
Pau-de-Arara” e “A Triste Partida”, de Patativa do Assaré.
As tomadas de tevê e
as cenas cinematográficas retratam a desolação de terras queimadas, o pedido de
água em volta dos carros-pipa. Os rebanhos morrem de fome. Os que sobrevivem
mal movem suas carcaças. O agricultor depõe a enxada de braços e semblante
escarnados. São símbolos da miséria e da seca nordestina que não podem ser vistos como
coisa do destino.
É inaceitável o perpetuar desse drama, em que se testemunha a
perda de plantações, de empregos, de vida; existências destroçadas alcançam o
mais baixo grau da indigência humana – vergonha nacional, em virtude da ação
criminosa de muitos.
O mais degradante é que tudo se desenvolve sob o pálio de uma
constituição que considera primordiais a cidadania e a dignidade e, por ironia,
ainda fala na erradicação da pobreza e da marginalidade. Inclusive, cuida de
incentivos específicos ao desenvolvimento e à redução das desigualdades nas
regiões sujeitas às secas periódicas.
Onde se acha, então, o estado de direito, que deve respeito ao
cidadão, sobretudo a obediência aos direitos sociais e coletivos? Não
há mais o que se estudar sobre a seca. Trata-se de um fenômeno da natureza, ao qual
se deve adequar.
Ao ser humano só não é possível ressuscitar os mortos,
transformar a água em vinho e manter a vida sem oxigênio. Há de se reprovar, ao
longo do tempo, a incúria e as promessas mal-intencionadas que se fazem ante a
boa-fé e a ignorância do povo.
No império Pedro II, e, na República, presidentes visitaram, em tempos de inclemência, o Ceará.
Prometeram erradicar a tragédia secular mediante a transposição das águas do São Francisco e um programa educativo. Essa iniciativa foi retomada hoje, sem que se chegue a um consenso para sua efetivação.
Prometeram erradicar a tragédia secular mediante a transposição das águas do São Francisco e um programa educativo. Essa iniciativa foi retomada hoje, sem que se chegue a um consenso para sua efetivação.
A seca é e será insolúvel com ações paliativas. O seu problema,
como vem sendo tratado, manterá o estágio de pobreza extrema, morrendo pessoas
de sede, inanição e epidemias, conquanto os que se dizem humanos se comprazam
com a falta de água, benéfica à corrupção e moeda de barganha no processo
eleitoral. Manietar os desavisados pelos cordéis da ignorância tem peso
considerável e, muitas vezes, é decisivo na escolha da representação popular.
A miséria nordestina não pode ainda ser tratada como questão de
caridade pública, pois, com ela, ocorre a perda da identidade, a reificação do
homem, que se conforma com um auxílio, como o “bolsa-família”, para se perpetuar
na pobreza e na ociosidade.
Desta sorte, ainda ecoa o baião “Vozes da Seca”, composto por Zé
Dantas e Luiz Gonzaga, no início da década de 50. Essa obra desnuda a triste
realidade dos nossos sertões: “Seu doutô
os nordestino têm muita gratidão/ Pelo auxílio dos sulistas nessa seca do
sertão./ Mas doutô uma esmola a um homem que é são/ Ou lhe mata de vergonha ou
vicia o cidadão”.
Por Paulo Maria de Aragão
Advogado e Professor
Cadeira nº 39 da ACLJ
Em 14.03.13
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