CONSTITUIÇÕES E CRISES
Rui Martinho Rodrigues*
As constituições programáticas, dirigentes ou totais propõem um modelo de sociedade a ser construído. Articulam, de um certo modo, um conjunto de princípios, objetivando os mais elevados fins. O resultado das escolhas programáticas, porém, depende da reação dos sujeitos da ação social; dos casos fortuitos e de força maior; das inovações tecnológicas; e das vicissitudes supervenientes.
Efeitos colaterais e paradoxais das iniciativas humanas, inclusive governamentais, desautorizam previsões de longo prazo, mormente quando se trate de um conjunto de fatores altamente complexos, como a vida em sociedade. Não admira que sociedades planejadas fracassem sempre desde a experiência de Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em Siracusa, que o levou a retratar-se do que havia escrito na obra “A República”, em outra obra, escrita na maturidade: “As leis”.
Constituições escritas e rígidas existem para assegurar a estabilidade de certas garantias individuais. Não devem ser transformadas em restrição imposta ao legislador futuro, impondo direção teórica ou metodológica da ação social.
Princípios elevados não asseguram bons resultados para a sociedade. Grandes torpezas foram feitas em nome dos valores mais nobres. Constituições rígidas deveriam ser sintéticas, para não entravar a dinâmica da economia, da política e da sociedade em geral. Constituições analíticas não deveriam ser rígidas, para não enrijecer a dinâmica social.
Uma Carta Política que seja ao mesmo tempo programática, dirigente, total e rígida, além de principiológica, subordina toda ação legislativa e executiva. A amplitude dos princípios positivados no texto constitucional enseja amplas possibilidades de interpretação. Os tribunais constitucionais, no exercício do controle concentrado e repressivo de constitucionalidade, passam a tutelar amplamente os poderes Executivo e Legislativo.
A clássica separação das funções do Poder do Estado, necessária para que os poderes sejam limitados, é anulada pelas constituições totais dotadas de controle de repressivo de constitucionalidade. A definição de competência das autoridades tem o sentido de limitação do poder, na forma do tradicional sistema de freios e contrapesos, que no Brasil é descrito como harmonia e independência entre os poderes.
Tribunais constitucionais armados de competência sobre tudo, pelas modernas constituições dirigentes, tornaram-se poderes ilimitados. A Nova Hermenêutica Constitucional e a nova doutrina constitucional, inspiradas por John Rawls (1921 – 2002), Ronald Myles Dworking (1931 – 2013), José Gomes Canotilho (1941 – vivo), entre outros, alargou o poder dos tribunais constitucionais ao proclamar que o juiz não deve ser escravo da lei, valendo-se do conceito indeterminado de justiça, aberto ao juízo de valor do magistrado.
A chamada interpretação conforme o entendimento dos tribunais constitucionais, alegadamente uma técnica para preservar a norma inquinada de inconstitucionalidade, recuperando-a, transformou as cortes constitucionais em assembleias constituintes. Assim o significado da norma escrita tornou-se incognoscível.
A insegurança jurídica é
a consequência inevitável do significado incógnito dos textos escritos,
situação agrava quando o tribunal constitucional muda frequentemente de
entendimento. Além de causar insegurança jurídica, tribunais que legislam
carecem de legitimidade por absoluta falta de representação política. Não se
trata de um fenômeno apenas brasileiro. Mas no Brasil é mais grave pela
fragilidade dos poderes políticos. Não temos freios e contrapesos. A porta das
crises está aberta.
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