sexta-feira, 13 de agosto de 2021

ARTIGO - A Complexidade e a Política (RMR)

 A COMPLEXIDADE
E A POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*

 

 O conhecimento, fruto do esforço de compreensão do mundo, pode ter como objeto pequenos fragmentos do real, ou amplia-lo até o todo, que os físicos chamam “teoria de tudo” a fracassada tentativa de unificar a explicação das quatro forças fundamentais da natureza. A “Introdução à Logica”, de Imideo G. Nerici, diz: quanto maior o objeto mais superficial o conhecimento. Por outro lado, a compartimentalização do saber pode produzir graves erros. Karl R. Popper (1902 – 1994) propõe, como forma de superar tal impasse o método hipotético dedutivo, na obra “A lógica da pesquisa científica”. Popper reconhece o falibilismo de John Locke (1632 – 1704), inerente ao conhecimento. 

As ciências da natureza resistem ao sonho da teoria de tudo. São hipotético-dedutivas. Observam, formulam hipóteses e testam. Reúnem as válidas e deduzem conhecimentos complexos com base nas hipóteses referentes aos componentes simples. As ciências da cultura nem sempre podem testar hipóteses. Não podem repetir a Revolução Francesa para testar. Pedro Demo (1941 – vivo), na “Metodologia científica das ciências sociais”, diz: as ciências da cultura não vão além da hipótese. François-Marie Arouet (Voltaire, 1694 – 1778) combateu o dogmatismo nos “Ensaios sobre a tolerância”. 

A vertente política que se apoia em “teoria de tudo” propõe o planejamento central diretivo, do Leviatã. Fracassa, como o absolutismo português, que concentrou recursos na aventura da navegação. Realizou um feito extraordinário. Conquistou os dois lados do Atlântico Sul quase todo, parte do Índico e um pouquinho do Pacífico. Sacrifício enorme, resultado pífio. Fábio Pestana Ramos (1974 – vivo “No tempo das especiarias: o império da pimenta”) relata a má qualidade dos navios, que em média duravam duas viagens.

A URSS fez o maior arsenal militar; programa espacial; obteve vitória retumbante na guerra; ampliou o império herdado dos czares; fazia excelentes armas, mas não uma geladeira que prestasse. Faltou a ordem espontânea. Milovam Djlas (1911 – 1995), na obra “A nova classe”, fala da elite do socialismo real, a “nomenklatura”, os “mais iguais” da fábula de Eric Arthur Blair (Georg Orwell, 1903 – 1950). 

Friedrich A. von Hayek (1899 – 1992), na obra “O caminho da servidão”, ressaltou as realizações da modernidade, com a Revolução Científica do séc. XVII que transformou o mundo com a Revolução Industrial. Solucionou problemas. Mudanças históricas devem mais à solução de problemas do que ao conflito entre as classes. Controlar o fogo, cultivar a terra, domesticar animais, fundir metais fizeram o mundo avançar (Darcy Ribeiro, “O processo civilizatório”). 

A modernidade realizou mais em menos tempo: objetividade, verificação de hipóteses, adotou a ideia que Popper denomina “falseabilidade” para que uma tese seja validável. Estudou pequenos fragmentos do real, como gravidade, inércia, fenômenos básicos. Obteve sucesso de grande utilidade. 

O elemento básico do fenômeno social, o homem, tem protagonismo. É diferente nos fenômenos da natureza. Tentativas de formular leis da História fracassam por isso. A cegueira dos paradigmas (Thomas Kuhn, 1922 – 1996, “A estrutura das revoluções científicas”); os obstáculos epistemológicos (Gaston Bachelard, 1884 – 1962, “O novo espírito científico”); e a falta do distanciamento entre sujeito e objeto, (Nicolau Maquiavel, 1469 – 1527, “O príncipe”), levaram a “teoria de tudo” nas humanidades. O Estado Dirigente foi fortalecido. O que dava certo, a ordem espontânea, foi abandonada.



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