AUTODESTRUIÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*
As civilizações, segundo os estudos de Arnold J. Toynbee (1889 – 1975), tendem a autodestruição, completando um ciclo, a exemplos de Roma, Grécia e provavelmente os maias. Tempos difíceis, sem que haja destruição, causados pela insensatez de governantes e dos povos, são mais numerosos. Barbara W. Tuchman (1912 – 1989), na obra “A marcha da insensatez”, cita alguns destes casos.
“A República” de Platão (428 a.C. – 348 a.C.), no livro VI, menciona uma embarcação dirigida por uma tripulação disfuncional. A alegoria da nau dos insensatos foi muito usada. Serão os humanos tão insensatos que se autodestruam? A complexidade crescente da civilização, na visão de Stephen Hawking (1942 – 2018), aumenta a probabilidade de uma crise fatal, pois quanto mais complexo um sistema maior a possibilidade de pane.
Criamos conhecimentos que podem produzir destruição de proporções impensáveis. As armas nucleares são lembradas nesta categoria. Mas são difíceis de produzir e tem sido possível controla-las. A biologia molecular, todavia, poderá ensejar a criação de armas de baixo custo e de controle difícil. A guerra biológica pode ser mais destrutiva do que pensávamos. A inteligência artificial inspira, com alguma plausibilidade, a ficção catastrofista.
A política é fonte de preocupação. Pessoas inteligentes, eruditas e bem informadas podem conflitar com a razão. Até especialistas, em suas áreas de formação, podem ter atitudes insensatas. Napoleão Bonaparte (1769 – 1821) sabia tudo sobre guerras, mas penetrou profundamente na Rússia sem ter um sistema logístico. Percorreu um longo caminho vendo a terra arrasada pelo exército que se retirava. Chegou a Moscou e esperou a rendição, sem ter motivos para acreditar em tal coisa, até que o inverno chegou.
A Argentina foi um país muito próspero. O seu povo, mobilizado pelo peronismo, que é um movimento de massa de grande protagonismo, embora algumas vezes interrompido pelos militares, manteve-se forte, influente e perseverante nos erros. Sua política econômica e social destruiu o país. A má aplicação de políticas alternativas reforçou a crença em seus erros.
O advento da imprensa, viabilizando jornais e enciclopédias, contribuiu para a Revolução Francesa e o ciclo revoluções que Eric J. E. Hobsbawm (1917 – 2012) descreveu na obra “A era das revoluções: 1789 – 1848”, com muitas mortes, algumas conquistas como as que foram obtidas em outros lugares sem tanto sangue.
A era do rádio coincidiu com o advento de muitas ditaduras, com a ajuda das crises pós Primeira Guerra Mundial e da depressão iniciada em 1929. A política, hoje, é inquietante. Brinca com fogo nas relações internacionais. A bolha econômica causada pela intervenção governamental, ao tentar criar um mundo sem dor injetando dinheiro nas economias em quantidade nunca vista é um grave perigo.
O presidencialismo tropeça até nos EUA. O parlamentarismo não supera crises nem com sucessivas eleições. A agressividade cresceu. O relativismo axiológico e cognitivo, fortalecido, contribuiu para isso. Princípios como a não intervenção nos assuntos internos das nações soberanas foram abandonados. A separação das funções dos poderes da República foi desprezada e a inércia do Judiciário abandonada.
A internet é acusada de ter
dado tribuna aos despreparados, disse Umberto Eco (1932 – 2016) usando
palavras duras. Pensadores nefelibatas foram divulgados, principalmente a
vulgata de suas teses. A alegoria da nau dos insensatos é atual. Devemos tentar
algo semelhante ao Pacto de Moncloa. Principalmente no Brasil.
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