PROGRESSO
E
RETROCESSO
Rui Martinho Rodrigues*
A linguagem política
está impregnada de progresso e retrocesso. Mas a ideia de aperfeiçoamento da
humanidade nem sempre existiu. O eterno retorno, concepção segundo a qual tudo
se repete, foi acalentada pelos gregos. O determinismo cósmico de Zenão (335 –
264 a.C.) e dos seus seguidores estoicos tem afinidade com o eterno retorno
observável no movimento dos corpos celestes.
A astrologia também
era baseada nestes movimentos e adotava o determinismo aludido. Até a tradição
judaico-cristã chegou a ser vista deste modo, por causa de Eclesiastes 1; 4 –
“Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. E
nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu”. Este excerto,
porém, trata da relação do indivíduo com o tempo de sua existência. Não é uma
narrativa da trajetória histórica da humanidade como um todo.
A História dotada de começo, meio e fim tem origem na tradição
judaico-cristã. Nela encontramos um princípio e um final, com a humanidade decadente.
Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.), teólogo cristão, rompeu com a tradição do
eterno retorno, embora fosse neoplatônico.
Progresso contém a ideia de passagem de uma etapa inferior para uma
superior, com o fim dos tempos. Muitos “progressistas” não aceitam a visão
agostiniana de um fim. Nem percebem os vários sentidos de progresso. A concepção
de avanço pode referir-se ao aperfeiçoamento do homem pelo desenvolvimento
cognitivo, nos termos do positivismo de Isidore Auguste Marie François Xavier Comte
(1798 – 1857), que também não é aceito pelos citados “progressistas”. Temos
ainda progresso como aprimoramento do homem pelo aperfeiçoamento da sociedade.
Este progressismo é largamente aceito nos meios letrados. A maioria dos seus
seguidores, porém, não reconhece o determinismo e o reducionismo contidos em
tal progresso.
O determinismo social, cultural e econômico do progresso humano a
ser obtido por uma reengenharia social, levando a um novo homem,
contraditoriamente está prenhe de voluntarismo. É uma reengenharia volitiva,
propõe uma evolução ou de revolução pela vontade e pela ação do homem, portanto
antropocêntrica e voluntaristas. Jacques Le Goff (1924 – 2014) distingue
diferentes progressos. Reconhece o grande avanço da ciência e da técnica; ao
lado do aperfeiçoamento das instituições políticas e jurídicas. Não percebe,
todavia, que o homem tenha se aperfeiçoado. Ciência e técnica avançam
formulando explicações mais satisfatórias, conforme Karl Raymond Popper (1902 –
1994) e toda escola do racionalismo crítico; ou solucionando problemas, nos
termos da tradição empirista. Instituições jurídicas e políticas evoluem oferecendo garantias e liberdade aos cidadãos.
E o homem, como evolui? Sérgio Paulo Rouanet (1934 – vivo) propõe
um critério para eferição da evolução do homem: Deveríamos conviver melhor com
os nossos conflitos íntimos, dispensando a assistência de psicólogos ou o uso
de ansiolíticos; conviver melhor com os nossos familiares, vizinhos, patrões,
chefes, subordinados, policiais, adversários; e ainda conviver melhor com a
natureza. O autor citado não vislumbra evolução no que tange a estes aspectos. O
uso da ideia de progresso, todavia, coloca os que a invocam como representantes
da marcha evolutiva, colocando-os como superiores, arautos de um futuro
superior. Presumem-se esclarecidos. Desclassificam quem pensa diferente como
retrógrado e preconceituoso.
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