A ERA DA
MANIPULAÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) elaborou uma tipologia dos
regimes políticos, descrevendo o espírito de cada um deles, bem como a
decadência que os acomete. O fundamento maior da monarquia seria a honraria
oferecida aos que servem à causa pública.
A democracia buscaria amparo na virtude altruística dos cidadãos,
que dedicariam esforços em prol do interesse social, sem visar nenhum benefício
pessoal. Previu também a decadência de cada um dos regimes. A Monarquia tenderia
a degenerar em tirania, cujo fundamento seria o medo.
A democracia decadente seria demagógica, algo aproximado ao que
hoje conhecemos como populismo. O fundamento deste seria o engano, a
prestidigitação, as falsas promessas, o engodo como forma de angariar apoio.
Hoje temos a propagação da ideia da igualdade na linha de chegada,
também conhecida como igualdade de resultados. Assim, a desigualdade é a tônica
da crítica social e das campanhas políticas. A melhoria de todos os indicadores
de qualidade de vida nada significa, só porque a desigualdade aumentou.
Redução da mortalidade infantil, mais longa esperança de vida, índice de alfabetização em alta, mais anos médios de escolaridade, acesso ao ensino superior e democratização do
acesso aos bens que representam conforto não valem nada. Este último aspecto é
desqualificado como “consumismo”, porque já não se pode arguir a velha tese da “pauperização”.
A renda melhora, não se fala mais em “exército industrial de reserva”, salvo
quando a pregação é dirigida a um público domesticado.
A demagogia de que falava o estagirita assumiu a forma de
manipulação por meio de sofisticadas técnicas de manipulação. Assim, não é
percebida como demagogia, mas como teorias sociológicas, políticas, econômicas
ou como Filosofia e até como Teologia.
Assim, enganam principalmente os mais letrados, que são mais
submetidos ao bombardeio das teorias equivocadas, que tanto agradam a quem
gosta de se sentir virtuoso, ao modo de D. Quixote, atacando moinhos de vento,
tal como o personagem de Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616). É deveras gratificante
olhar para o espelho e dizer: espelho meu, espelho meu, quem é maior defensor
dos pobres do que eu?”. Não importa que tal “defesa” prejudique os supostos
beneficiários.
A manipulação fabrica ícones. Promove pessoas a condição de gênios,
heróis, mártires, santos ou mistura de tudo isso. Análise política, histórica,
sociológica, jurídica ou econômica, com a licença poética para focar no lado
trágico da realidade, faz sucesso. Sem vítima e sem perseguidor não há lugar
para salvadores. A climatologia é uma ciência de grande complexidade. A
ecologia também o é. Ambas repercutem fortemente na economia e na política, áreas
do conhecimento que desafiam a nossa compreensão.
Clima, ambiente e interesses políticos e econômicos, inclusive nas relações
internacionais, se misturam, formando um conjunto cuja compreensão não é fácil
para estudiosos experientes. Pontificar sobre isso exige pessoas qualificadas.
Mas não se oferece tribuna aos cientistas sem uma triagem política e ideológica.
Isso não basta. É preciso deslocar o foco do campo cognitivo para a esfera da
sensibilidade, da emoção. Convocar uma menina, leiga e principiante até como
amadora, para discorrer sobre o que não entende, é parte da manipulação típica
da curva descendente da democracia. É demagogia. Encontra campo fértil onde
doutores não são doutos e combatem moinhos de vento, montando teorias que não
passam de pangarés, porém fáceis de compreender e de “vender”, porque têm
vítimas, perseguidores, mártires e heróis.
Aracaju, 19/12/19.
COMENTÁRIO
Rui Martinho Rodrigues repercute aqui no Blog uma longa e saudável
discussão, mantida ontem entre confrades, em alto nível, no Grupo de Whatsapp
da ACLJ, sobre o Educador Paulo Freire, seus méritos e seus equívocos.
Coloquei “minha colher” no debate para dizer que os mitos
históricos nem sempre são os heróis que se imaginam, ou, por outra, os vilões
que se fez deles – a começar pelo notório traidor de Jesus Cristo, Judas Iscariotes,
sobre o qual há estudos historicistas absolutórios, bem descritos e fundados.
Lampião foi um bandoleiro celerado, que para alguns se afigura um
herói da resistência social, contra os poderes constituídos de seu tempo; Zumbi
dos palmares, um bravo olímpico; Lula da Silva um salvador da pátria, que
pretensamente se tornou mártir do perverso estamento judiciário federal
brasileiro... e assim por diante.
Certa vez, há muitos anos, apaixonamo-nos à primeira vista eu e uma
bela moçoila que visitava Fortaleza. Ela tinha constituído, como passatempo, um namorado
local, desde a sua chegada, e quando nos conhecemos estava no seu último dia na Cidade. Restava-nos admirarmo-nos de longe, durante o luau que os
amigos comuns promoveram na praia do Náutico para a sua despedida.
Então um sujeito, aparentemente benemérito, que eu mal conhecia,
notou o nosso drama e montou um estratagema heroico que facilitou o nosso
contato e nós pudemos realizar aquela fresca paixão, e nos despedir ao luar como queríamos,
desfazendo-se de imediato aquele namoro anterior.
Um dia encontrei o rapaz que tramara aquele idílico resultado, e
quis agradecer-lhe pelo que ele fizera por mim naquela noite, quando então,
muito honestamente, ele me respondeu que, na verdade, eu não lhe devia nada, porque
nada fizera para me favorecer, pois ele agira naquela noite como cupido
alcoviteiro porque “era apaixonado pelo namorado da menina”.
Analogicamente, no macrocosmo social, muitas vezes as ideias grandiloquentes
e os atos de altruísmo e de bravura das grandes personalidades do passado foram
realmente movidos pelos mais torpes interesses, com as intenções mais bestiais.
Não raro os grandes ícones incensados pensaram egoisticamente,
plagiaram anônimos, ou agiram por manifesta covardia, de forma vil e injusta,
não raro se louvando nos méritos de terceiros que a história sonegou. E entraram
para a posteridade como sábios ou como heróis.
Reginaldo Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário