A ACADEMIA POLIMÁTICA
QUE
FUNCIONOU NA PRAÇA DO FERREIRA
Wilson Ibiapina*
A praça é do povo como o céu é do Condor. (Castro Alves)
A Praça do Ferreira já foi palco de tudo que você possa
imaginar. Tudo que envolvia o povo de Fortaleza passava por ali. Os políticos,
músicos, artistas, camelôs desempregados e intelectuais, cada grupo tem até
hoje seu canto, sua roda de papo, um lugar para apreciar o movimento, como os
paqueradores que se postam lá, à espera de que a brisa que sopra da praia
levante as saias das mulheres.
Meu saudoso amigo Alberto Santiago Galeno, advogado,
contista, historiador e trovador, no seu livro sobre a Praça do Ferreira,
lamenta que o povo cearense tenha sido tão insultado, tão caluniado pelos
escritores reacionários dos anos 20 e 30, como Gustavo Barroso e Gomes de
Matos. Segundo o neto de Juvenal Galeno, para esses dois o povo era massa
falida, ralé, massa ignara que só merecia o desprezo.

Durou apenas de 1922 a 1924, mas foi a mais democrática e
eficiente de quantas academias já existiram no país. Essa academia não tinha
estatuto, nem regras, muito menos preconceitos. A Polimática tentava chegar ao
povo pra esclarecê-lo, educá-lo.
O polímata é a pessoa que sabe muito, de tudo. O italiano
Leonardo as Vinci é reconhecido como o maior polímata da história. Tinha
habilidades em artes, engenharia, arquitetura, geologia, fisiologia, anatomia
etc. No Brasil, são considerados polímatas Rui Barbosa, Gilberto Freyre, Mário
de Andrade.
No Ceará, o paraibano Euclides César, professor de línguas
da Fênix Caixeiral fundou a Academia Polimática, por achar que a cultura não
devia ser privilegio das elites e sim um bem de toda a sociedade.
A Academia Polimática de Fortaleza realizava suas sessões
na Praça do Ferreira. Os oradores, que não podiam ser aparteados, falavam sobre
todo e qualquer assunto, direto para o povo. Alberto Galeno conta que, um dia,
Moésio Rolim representou “A Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, correndo o
risco de ser amaldiçoado pelo bispo Dom Manoel, já que se tratava de obra
condenada pela Igreja.
A entidade, que chegou a reunir mais de dois mil filiados, distinguiu
um dia para homenagear as mulheres, e cogitou pedir a substituição do dia da
árvore pelo dia do jumento. A Academia acabou no dia em que seu fundador ficou
doente. Quando se recuperou, a entidade estava morrendo. Os associados
haviam debandado, alguns para o café Riche e o Maison Art Nouveau, ponto de
encontro dos intelectuais na Praça do Ferreira.
Mas o professor paraibano não saiu de cena. Foi liderar
movimentos intelectuais e de protestos pela liberdade. É ainda o ex-presidente
da Casa de Juvenal Galeno quem revela: “No dia 19 de agosto de 1942, Euclides
César desfilou à frente de manifestantes protestando, na Praça do Ferreira,
contra os nazistas que afundaram navios brasileiros.
O povo, tomado de fúria patriótica, pouco depois promoveu
quebra-quebra de lojas de alemães, italianos e japoneses. O professor Euclides
morreu octogenário em Fortaleza, no ano de 1973. Poucos lembram hoje desse
educador, um idealista que fundou uma academia na Praça do Ferreira, destinada
ao povo.
*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ
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