domingo, 11 de maio de 2014

ARTIGO (RV)

MACACOS ME MORDAM

Não encontro razão no poder ofensivo atribuído ao rótulo de “macaco”, lançado por torcedores racistas contra jogadores negros mundo a fora. Macacos e negros não têm coisa alguma a ver, porque não guardam nenhuma relação.

Quando se tacha alguém de “burro” se está referindo à proverbial estupidez de tal animal, e quando se diz que alguém é “porco” se faz analogia à pouca higiene deste bicho. Macacos são primatas como nós, habilidosos e inteligentes, astuciosos e asseados, de modo que não desmerece a ninguém ser a eles comparado. Não é inteligente se deixar vitimizar por insinuações capciosas dos cretinos, terminando por lhes dar o prazer de atingir seu objetivo.

Sabe-se que os ofensores pretendem apontar aparência física entre os negros e os macacos, o que não faz sentido nenhum, pois há muitos símios ruivos, como os orangotangos, bem como louros, como os micos-leões-dourados – dentre outros. E todos os macacos têm pelos lisos, ou eriçados, pois não se sabe de alguma variedade com os cabelos crespos, muito menos ulótricos, característicos dos povos africanos.

Indivíduos de todas as etnias podem apresentar feições simiescas, às vezes passeriformes, às vezes camelídeas, e quem estuda caricatura explora tais comparações. Mas isso nada tem a ver com racismo, ao contrário do que têm considerado os ofendidos. Então, reagir a esse tipo de ofensa é vestir uma carapuça, que é ilógica e descabida. É “dar trela”, “dar cavaco”, dar dimensão indevida a provocações de adversários.

Todo mundo sabe que gozações públicas somente se multiplicam e intensificam quando o seus destinatários se insurgem, reagem, protestam – haja vista os apelidos maldadosos. Portanto, a repercussão imensa desses episódios de tentativa de agressão moral a jogadores negros, por parte de torcedores adversos, está entre as muitas bobagens e futilidades que permeiam o futebol.

Além disso, a legislação penal brasileira só tipifica duas formas de racismo, uma delas mais grave e difusa, verificada quando alguém tenta discriminar e prejudicar indistintas pessoas em razão de sua etnia – “não empregamos judeus”; ou “ciganos não entram”; ou “negos não prestam” – por exemplo. Esse é um crime de ação pública, previsto na Constituição Federal, inafiançável e imprescritível.

A segunda forma de racismo aparece no Código Penal como circunstância qualificadora do crime de injúria, de modo a agravá-lo – e a injúria é um ilícito de natureza privada, cujo processamento depende de queixa do ofendido. 

Então, tecnicamente, não identifico nenhum dos dois tipos de racismo no ato banal de jogar frutas na direção de outra pessoa. Esse comportamento imbecil deveria ser reprimido, no Brasil pelo Estatuto do Torcedor, e no exterior por legislação correspondente, que pune quem briga nos estádios e lança coisas nos gramados.


O fato não me parece mais grave se o objeto lançado for um fruta e se a fruta for banana, pois esta é produzida nos trópicos para exclusivo consumo humano. Macacos comem todas as frutas, alguns apreciam insetos e outros são onívoros como nós, sendo totalmente falso o mito de que bananas sejam seu alimento natural. Aliás, a bananeira é uma cultura industrial, totalmente domesticada, que os símios não têm oportunidade nenhuma de encontrar na natureza.

Imaginemos que um homem negro de determinada torcida, visando desestabilizar emocionalmente um jogador negro do time oposto, lance uma banana no campo, sendo em seguida identificado e preso. Pergunta-se: Poderá ele ser indiciado por racismo? Obvio que não, e isso indica que o gesto não configura de fato intolerância racial, mas catimba desportiva, de que torcedores inescrupulosos lançam mão, e que jogadores incautos recebem, acusando o golpe cavilosamente desferido contra eles. Menos Daniel Alves, que comendo a banana lançada desconheceu a agressão  que a imprensa fez questão de restaurar. 

Enfim, para começar, é preciso ter presente que, numa democracia, em que se tem plena franquia ideológica e direito de expressão, e se prestigiam as liberdades individuais, ninguém está obrigado a ser simpático a determinado grupo social que antipatize ou que deplore. Em suma, ninguém está obrigado a gostar ou desgostar do que quer que seja.

Quem, por exemplo, não goste de negros, de ciganos, de judeus, de nordestinos, de homossexuais, de corintianos,  ou de outra minoria qualquer, por razões de foro íntimo, não pode ser constrangido a sentir e declarar o contrário – e isso as patrulhas do “politicamente correto” têm dificuldade de entender.   

De outra parte, no estado democrático de direito, ninguém pode discriminar os outros, de forma injusta e prejudicial, com mais veras em razão de sua etnia, tampouco praticar injúria contra pessoa específica com o agravante do racismo. Ponto final.


Mas a negritude, ou afro-descendência, não representa demérito nenhum, pois não sugere crime, nem pecado, nem defeito. Então, ser chamado de negro não deveria provocar ofensa alguma.

Enfim, magoar-se ao ser meramente qualificado como negro, índio, cigano ou nissei – quando realmente se o seja,  é assumir a própria origem ética como condição indesejável, e isso é dar um tiro no pé, para quem quer defender a sua "raça".

Isso caracteriza o chamado “auto-branqueamento social”, ranço colonial que significa sentimento de racismo contra o próprio grupo genético a que pertence. O normal é sentir-se confortável com a sua aparência física e ter orgulho de sua ascendência racial. Este é o antirracismo absoluto.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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