É ASSIM QUE SE JOGA!
Por Aluísio Gurgel do Amaral Jr (*)
O gol de quarta-feira passada não começou com Dani Alves. A
jogada toda teve início com bola parada em decorrência de uma falta que Neymar
sofreu pouco além do meio de campo, pelo lado esquerdo. A cobrança foi quase
imediata: Iniesta rolou para Fábregas, que mudou o jogo da esquerda para o
meio, passando para Xavi. Daí em diante todos sabemos o que ocorreu... Xavi
tocou a bola para Dani Alves bem à direita, que ensaiou um drible e devolveu a
Xavi, ao mesmo tempo em que correu entre três zagueiros para receber a enfiada
do próprio Xavi e cruzar, da lateral direita da grande área para o outro lado,
no bico da pequena área, para Neymar cabecear em gol.
Também vale a pena examinar com calma a movimentação de
Fábregas depois que passou a bola para Xavi: ele se aproxima da grande área e,
enquanto Xavi passa a bola para Dani Alves, entra pela meia lua, ao passo que
Dani Alves devolve a Xavi e corre entre os zagueiros. Neste instante Fábregas
já está completamente dentro da grande área e estende os braços apontando para
os próprios pés pedindo a bola que Xavi não lhe toca e rola para Dani Alves.
Fábregas repete o gesto para Dani Alves que cruza para o gol de Neymar. A
reação de Fábregas, antes de comemorar o gol de Neymar, se mede pelo que gesticulou
a Dani Alves. Somente depois corre para o abraço.
Mas o que Neymar estava fazendo antes de cabecear para o
gol? Quando Iniesta rolou a bola para Fábregas, Neymar se levantava calmamente.
Quando Fábregas passou para Xavi, Neymar começava a andar pela intermediária do
lado esquerdo. Quando Xavi abriu para Dani Alves, Neymar apressou o passo e
logo que a bola voltou a Xavi, ele levanta o braço se mostrando sozinho e sem
marcação para que Dani Alves percebesse. E Dani percebeu claramente, pois ao
receber a bola de Xavi, mesmo tendo Fábregas praticamente ao seu lado pedindo,
nem se deu ao trabalho de olhar onde Neymar estava pois já sabia onde ele
deveria estar e mandou por baixo da bola para lá.
É possível interpretar a reação de Fábregas, logo após o
gol, como um sentimento de decepção por ver Dani Alves abandonar o caminho mais
lógico de passar-lhe a bola, ali dentro da grande área no meio da zaga, e optar
por um cruzamento bem alto para o outro lado da área. Mas Fábregas estava no
olho da jogada, por assim dizer, e não podia ver muito – estava de frente para
a bola. Dani Alves tinha mais visão de jogo naquele instante e demonstrou isto
claramente. E a visão de jogo de Dani Alves já estava desenhada na sua mente
quando decidiu que a posição de Fábregas não abria margem para a conversão e
mandou a responsabilidade para Neymar.
Mas visão completa da jogada, domínio perfeito da cena toda
era um atributo que pertencia apenas a Neymar. Ele estava jogando sem bola
desde que se levantou após sofrer a falta. E assim permaneceu até cabecear para
o gol. Foi o timing perfeito. Andou, enquanto aguardou a zaga ir embora
para o outro lado do campo levada por Xavi ao rolar para Dani Alves. Apressou o
passo por trás do único zagueiro que lhe fazia vigilância quando Dani Alves
devolveu a Xavi, e sinalizou com o braço, já no rumo da grande área, avisando
que estava só e que havia jogo do outro lado, quando Xavi enfiou a bola para
Dani Alves. Daí foi a certeza de Dani Alves e o cruzamento.
O cabeceio, em si, foi irretocável: as mãos próximas do
corpo, uma perna levemente dobrada e a batida da bola no centro da testa para
permitir o melhor desvio para onde se quer que ela vá. Exatamente os
fundamentos propalados por Pelé (veja-se Brasil 4 x 1 Itália, 1970). Mas houve
algo que Pelé não ensinou: a mesma ação em velocidade. E o que Neymar quis?
Garantir o gol, é óbvio. Como? Dirigindo a bola baixo e para o canto esquerdo,
e cuidando para que ela tocasse o chão precisamente na linha do gol, pois assim
se determinava a indefensabilidade – ainda que defendida fosse, dificilmente
deixaria de entrar por esta razão específica.
Depois? Depois foi a felicidade genuinamente brasileira que
contagiou a todos através daquele sorriso maroto que correu de braços abertos,
inclusive ensaiou um drible no operador da câmera com um gesto de corpo todo –
aí se revelando nítido conteúdo interior no sentido de que o moleque não vai se
restringir ao toque de bola. Por fim, o abraço agradecido dos companheiros pela
salvação da situação e, aos olhos do mundo, a certeza do trabalho bem feito que
se colhe das palavras do Professor Geraldo “Tata” Martino: “És asi que si
juga!” O resto é conversa de quem torce contra ou a favor, é futebol.
Aluísio Gurgel do Amaral Jr
Titular da Cadeira nº 14 da ACLJ
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