sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CRÔNICA

É ASSIM QUE SE JOGA!

Por Aluísio Gurgel do Amaral Jr (*)

O gol de quarta-feira passada não começou com Dani Alves. A jogada toda teve início com bola parada em decorrência de uma falta que Neymar sofreu pouco além do meio de campo, pelo lado esquerdo. A cobrança foi quase imediata: Iniesta rolou para Fábregas, que mudou o jogo da esquerda para o meio, passando para Xavi. Daí em diante todos sabemos o que ocorreu... Xavi tocou a bola para Dani Alves bem à direita, que ensaiou um drible e devolveu a Xavi, ao mesmo tempo em que correu entre três zagueiros para receber a enfiada do próprio Xavi e cruzar, da lateral direita da grande área para o outro lado, no bico da pequena área, para Neymar cabecear em gol.

Também vale a pena examinar com calma a movimentação de Fábregas depois que passou a bola para Xavi: ele se aproxima da grande área e, enquanto Xavi passa a bola para Dani Alves, entra pela meia lua, ao passo que Dani Alves devolve a Xavi e corre entre os zagueiros. Neste instante Fábregas já está completamente dentro da grande área e estende os braços apontando para os próprios pés pedindo a bola que Xavi não lhe toca e rola para Dani Alves. Fábregas repete o gesto para Dani Alves que cruza para o gol de Neymar. A reação de Fábregas, antes de comemorar o gol de Neymar, se mede pelo que gesticulou a Dani Alves. Somente depois corre para o abraço.

Mas o que Neymar estava fazendo antes de cabecear para o gol? Quando Iniesta rolou a bola para Fábregas, Neymar se levantava calmamente. Quando Fábregas passou para Xavi, Neymar começava a andar pela intermediária do lado esquerdo. Quando Xavi abriu para Dani Alves, Neymar apressou o passo e logo que a bola voltou a Xavi, ele levanta o braço se mostrando sozinho e sem marcação para que Dani Alves percebesse. E Dani percebeu claramente, pois ao receber a bola de Xavi, mesmo tendo Fábregas praticamente ao seu lado pedindo, nem se deu ao trabalho de olhar onde Neymar estava pois já sabia onde ele deveria estar e mandou por baixo da bola para lá.

É possível interpretar a reação de Fábregas, logo após o gol, como um sentimento de decepção por ver Dani Alves abandonar o caminho mais lógico de passar-lhe a bola, ali dentro da grande área no meio da zaga, e optar por um cruzamento bem alto para o outro lado da área. Mas Fábregas estava no olho da jogada, por assim dizer, e não podia ver muito – estava de frente para a bola. Dani Alves tinha mais visão de jogo naquele instante e demonstrou isto claramente. E a visão de jogo de Dani Alves já estava desenhada na sua mente quando decidiu que a posição de Fábregas não abria margem para a conversão e mandou a responsabilidade para Neymar.

Mas visão completa da jogada, domínio perfeito da cena toda era um atributo que pertencia apenas a Neymar. Ele estava jogando sem bola desde que se levantou após sofrer a falta. E assim permaneceu até cabecear para o gol. Foi o timing perfeito. Andou, enquanto aguardou a zaga ir embora para o outro lado do campo levada por Xavi ao rolar para Dani Alves. Apressou o passo por trás do único zagueiro que lhe fazia vigilância quando Dani Alves devolveu a Xavi, e sinalizou com o braço, já no rumo da grande área, avisando que estava só e que havia jogo do outro lado, quando Xavi enfiou a bola para Dani Alves. Daí foi a certeza de Dani Alves e o cruzamento.

O cabeceio, em si, foi irretocável: as mãos próximas do corpo, uma perna levemente dobrada e a batida da bola no centro da testa para permitir o melhor desvio para onde se quer que ela vá. Exatamente os fundamentos propalados por Pelé (veja-se Brasil 4 x 1 Itália, 1970). Mas houve algo que Pelé não ensinou: a mesma ação em velocidade. E o que Neymar quis? Garantir o gol, é óbvio. Como? Dirigindo a bola baixo e para o canto esquerdo, e cuidando para que ela tocasse o chão precisamente na linha do gol, pois assim se determinava a indefensabilidade – ainda que defendida fosse, dificilmente deixaria de entrar por esta razão específica.


Depois? Depois foi a felicidade genuinamente brasileira que contagiou a todos através daquele sorriso maroto que correu de braços abertos, inclusive ensaiou um drible no operador da câmera com um gesto de corpo todo – aí se revelando nítido conteúdo interior no sentido de que o moleque não vai se restringir ao toque de bola. Por fim, o abraço agradecido dos companheiros pela salvação da situação e, aos olhos do mundo, a certeza do trabalho bem feito que se colhe das palavras do Professor Geraldo “Tata” Martino: “És asi que si juga!” O resto é conversa de quem torce contra ou a favor, é futebol.


Aluísio Gurgel do Amaral Jr
Titular da Cadeira nº 14 da ACLJ

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