quinta-feira, 8 de agosto de 2013

CRÔNICA

NOSSA UTOPIA

Paulo Maria de Aragão (*)

 “Esse modo de lidar com os ladrões é tão injusto quanto socialmente indesejável. O pequeno furto não é crime tão grande que mereça a pena de morte, e não há no mundo nenhum castigo que faça as pessoas pararem de roubar quando esta é a única forma de que dispõem para conseguir alimento. Seria muito mais apropriado assegurar a todos algum meio de subsistência, de tal modo que nenhum homem se visse compelido por terrível necessidade a roubar e depois pagar por isso com a pena de morte”.

A observação não é de nenhum político ou humanista contemporâneo. O excerto é do romance filosófico de Thomas More, “A Utopia” (1516), sátira às instituições da época, ao considerar o roubo na Inglaterra insolúvel, apesar de punível com a pena de morte.

Tenha-se que normas draconianas, inconciliáveis com a justiça social, não medram nas sociedades em que são desrespeitados os direitos humanos e enxovalhados os princípios éticos pelo poder dirigente. Se fosse assim, não haveria, na China, corrupção nem abuso de poder, porque os denunciados são submetidos à pena capital ou à prisão perpétua.

Na república utópica, a sociedade é perfeita, tão perfeita que ela inexiste. Nela há poucas leis, e todos se respeitam, não há desigualdade social, o amor e a bondade predominam, hospitais são acolhedores.

Em contraponto à Utopia de More, nossa realidade é um pesadelo em que assassinatos se banalizam. Em apenas 16 anos (1990-2006), 697.668 brasileiros foram vítimas de carnificina, enquanto os recursos para a segurança e educação, parodiando Cazuza, são jogados nas “piscinas cheias de ratos”.

Entre nós, os inéditos protestos de ruas, diante dos desmandos públicos, ganharam mais vida com as palavras do Papa Francisco dirigidas a milhões de fiéis durante a apoteótica Jornada Mundial da Juventude, para que não perdessem o ânimo por causa da corrupção. Com o seu espírito jovial, simpatia e simplicidade, o Sumo Pontífice foi manifesto ao declarar, afavelmente, não lhe cair no agrado “um jovem que não protesta”.

Quanta verdade! Aqui, valores morais só prevalecem no marketing e na propaganda política; desse modo, as esperanças nas instituições e na superação de crônicos desafios sociais estão a depender da juventude.

Malgrado a sensação de descrédito, o futuro do Brasil tende a mudar. As manifestações do povo, em particular dos jovens, deverão intensificar-se, alentadas pelas mensagens do carismático pastor Francisco, quando disse que as correntes devem ser enfrentadas, pois a ilusão da utopia nem sempre é inútil.

Valores imateriais movem sentimentos espirituais, conduzem o mundo à paz, ao cultivo do amor e da solidariedade, encontrados nas lições inesgotáveis da sabedoria, jorrantes das fontes evangélicas.

*Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Titular da Cadeira
de nº 39 da ACLJ

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