sábado, 22 de outubro de 2011

HIPERURBANISMO


A imprensa nacional vez por outra resolve adotar termos e expressões equivocadas, do ponto de vista gramatical, não raro tentando revogar formas corretas, substituindo-as por usos irregulares, cometendo erros de “hiperurbanismo”.  


RISCO DE MORTE

Por exemplo, de repente a mídia nacional passou a entender que a expressão “risco de vida”, tradicionalmente aplicada, estava incorreta, e que o certo seria doravante se dizer “risco de morte”.

Ora bolas! De onde foi que os autores de manuais de redação da imprensa tiraram isso? O risco é de vida, pois é a vida que corre risco. É a vida que se arrisca, pois ninguém arrisca a morte.

A palavra “risco”, no sentido de “arriscar”, vem de “risicu”, do latim, que significa “corte”. No espanhol a palavra tomou a acepção de “penhasco”, que, em última análise, é um corte na montanha.

Ainda se pode admitir “risco de morrer”, porque o verbo morrer remete ao “corte” da vida. Mesmo assim, não há razão para se optar por uma fórmula mais dramática de dizer alguma coisa, apenas para seguir o descaminho da manada.


UM DOS QUE PENSA

Os modernosos que aparecem falando na imprensa – e aqui se incluem políticos de esquerda e empresários yuppie – decidiram que o certo é adotar o singular no último verbo de expressões como “eu sou um dos que pensa”, “estou entre os que diz”. Isso é um erro gravíssimo de gramática. “Os que dizem”, “os que fazem”, “os que querem”, são sempre no plural, sem exceção.

Há quem entenda se admitir o verbo final no singular se antes do “que” houver um substantivo, mas ainda assim eu não concordo. Nessa linha, alguns gramáticos dizem ser aceitável dizer “eu sou um dos prefeitos que pensa”, caso não se queira referir ao universo dos prefeitos. Eu discordo. “Eu sou um dos prefeitos que pensam” é o correto. Até porque, se eu digo “sou um dos que pensam”, entre o “dos” e o “que” um substantivo está oculto, e é presumido.


PRESIDENTA


O termo “presidenta” está errado, embora, por ordem da Sra. Presidente, esteja sendo adotado por toda a imprensa chapa branca. Está errado porque a palavra “presidente” pertence à classificação gramatical “comum-de-dois”, que não flexiona quanto ao gênero.

O particípio ativo do verbo presidir é presidente, assim como do verbo atacar é atacante, de modo que a jogadora Marta do nosso futebol nunca seria uma “atacanta”. Pela mesma razão, a atual dignitária da República Brasileira não pode ser referida como “presidenta”, sem que se cometa um erro crasso.


Reginaldo Vasconcelos 

2 comentários:

  1. Reginaldo,

    Consulte os principais gramáticos brasileiros. Eles registram a palavra “presidenta” como correta.

    Em seu Dicionário de Masculinos e Femininos, Aldo Canazio (1960) registra presidenta como feminino de presidente (ao lado de [a] presidente como substantivo de dois gêneros).

    Desde sua 1ª edição (1963), a Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara já registrava e abonava essa forma feminina:

    “Podemos distinguir, na manifestação do feminino, os seguintes processos [...] com a mudança ou acréscimo ao radical, suprimindo a vogal temática [...] Os [terminados] em –e uns há que ficam invariáveis, outros acrescentam –a depois de suprir a vogal temática: alfaiate à alfaiat(e) + a à alfaiata.

    Variam:

    alfaiate – alfaiata
    infante – infanta
    governante – governanta
    presidente – presidenta
    parente – parenta
    monge – monja
    (p. 84, grifo nosso)”

    Celso Pedro Luft, em seu Dicionário Gramatical da Língua Portuguesa (1966), ensina que “os substantivos terminados em e são geralmente uniformes (…); há, porém, alguns que trocam o e por a: elefante – elefanta; governante – governanta; infante – infanta;[...] ; parente – parenta; mais raros: [...] giganta; hóspeda; presidenta; alfaiata. Em ABC da Língua Culta, o autor reafirma: “[...] substantivo que se pode tomar como comum de dois gêneros (sexo) para ‘pessoa que preside’: o presidente, a presidente; mas também comporta feminização flexional: a presidenta”.

    Rocha Lima (2007), em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa, reconhece: “a força do uso já consagrou as formas flexionadas infanta, parenta e presidenta” (p. 73).

    Luiz Antonio Sacconi (2010), em Nossa Gramática Completa Sacconi, também registra “presidenta” como o feminino de presidente (p. 133).

    Cegalla (2008) diz o seguinte em seu Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa: “É forma dicionarizada e correta, ao lado de presidente. A presidenta da Nicarágua fez um pronunciamento à Nação. / A presidente das Filipinas pediu o apoio o apoio do povo para o seu governo (p. 336).

    Finalmente, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), que registra todas as palavras em uso oficial na língua portuguesa, legitima a palavra (p. 674).

    E ao contrário do que muitos pensam, não foi o Aurélio e nem o Houaiss que registraram isso recentemente: a palavra "presidenta" encontra dicionarizada em nossa língua DESDE 1881, por meio do Dicionário lusitano Aulete. O maior de todos os escritores brasileiros, Machado de Assis utilizou o vocábulo em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (publicada pela primeira vez em 1881).

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  2. Caro Davi Miranda,

    Grato pelo seu comentário, muito proficiente e muito bem fundamentado. Parabéns pela sua erudição. Conheço os argumentos que V. hasteia, e os reconheço como legítimos, porém continuo defendendo que no caso do feminino de “presidente” somente existe uma forma correta. Como sabe, as discussões desse nível definem correntes diferentes, e cada uma tem o dever ideológico de tentar ser majoritária.

    Questões idiomáticas não atingem a esfera deontológica, pois não obrigam a conduta de ninguém. Cada um opta pela melhor fórmula, e entre os que praticam e tratam da ciência idiomática, não se pode utilizar “argumentos de autoridade”. Principalmente no que tange a dicionaristas, que nada mais fazem que consignar os usos já registrados antes, e as definições semânticas de cada termo. Mas os registros não servem para provar que todos esses termos estejam gramaticalmente corretos. Apenas o vulgo acredita o contrário.

    Por exemplo, a aplicação das formas “agilizar” e “magérrimo” estão absolutamente consagradas, tanto pelo uso do povo, como por todos os léxicos, assim também por diversos escritores, e certamente por dezenas de gramáticos profissionais. Nem por isso com correção etimológica. E eu pessoalmente pugno pelo uso mais escorreito.

    Do ponto de vista gramatical, o certo seria “agilitar” e “macérrimo”, se considerarmos as palavras latinas das quais os verbetes atuais derivam. Mesma razão para se dizer “advocatício”, e não “advogatício”. Esse é o único parâmetro lógico que aceito e aplico. Explico: todos os termos cognatos devem partir do termo original da língua mãe.

    Se cada um dos cognatos começar a originar novas grafias e pronúncias, a língua sofrerá depravação ortográfica e fonética. As línguas mães são o esqueleto do idioma. Sem o seu referencial, abonando-se todas as arbitrariedades, a língua vai perdendo potencial de precisão, descambando para a criação de dialetos, e até para a sua futura morte. Foi isso que aconteceu com o próprio latim e com o grego antigo.

    Toda sorte, conto com a sua atenta vigilância à qualidade das nossas postagens. E não duvide nunca que eventualmente eu possa evoluir para as suas bem expressadas razões, quando elas me acrescentarem novas informações, reflexões e descortinos. Sempre lembrando que nas discussões qualificadas, inelutavelmente, cada uma das partes absorve um pouco da opinião adversária, mesmo que não o admita imediata e conscientemente.

    Afetuosamente,

    Reginaldo Vasconcelos

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