CLEPTOCRACIA
Reginaldo Vasconcelos*
Otimistas têm defendido que, apesar da
crise, a República Brasileira vive em plena normalidade democrática, porque,
segundo eles, a instituições estão funcionando muito bem.
Não é bem assim. Quando um ex-presidente,
líder moral do partido do governo, vem a público dizer que em havendo um
processo constitucional de impeachment
ele acionará um “exército” irregular de sem-terras para se contrapor à
cidadania, as instituições republicanas revelam
que têm fraturas muito graves.
Sem que tenha o ameaçador se retratado, nem
sido desautorizado pela Presidente, dias depois um líder sindical diz na
presença dela que, no caso de seu afastamento do cargo pela via legal, ele vai
se entrincheirar em armas, com seus liderados, para enfrentar a sociedade pelas ruas – eis
outra demonstração de abalo institucional em sua atualidade ou iminência.
Tudo isso se soma a declarações semelhantes
proferidas por ditadores de países vizinhos ideologicamente alinhados com o
partido do governo, que ameaçam o Brasil de invasão militar se o Congresso ou o
Supremo Tribunal afastarem a Presidente – e nem o governo, nem o partido, dizem
nada. Claro, há uma crise institucional viva e velada.
Mas não é somente isso. Os Presidentes do
Senado e da Câmara Federais, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, também se posicionam contra os titulares do Poder
Executivo, que, por seu turno, é acusado de cooptação de membros do Judiciário
– tanto no seu máximo pretório quanto no Tribunal Eleitoral.
Ex-advogados, ex-militantes e ex-filiados
do partido do governo, guindados pelos seus titulares à alta magistratura da
Nação, tomam atitudes suspeitas denunciadas pela imprensa. E a Justiça, através
do devido processo legal, no estado democrático de direito, é a última
esperança da República.
E o chefe supremo do sacrossanto Ministério
Público Federal, sabatinado no Congresso, indagado sobre a possibilidade de
estar “blindando” políticos envolvidos na
corrupção na Petrobras, responde, em terrível ato falho, que para isso ele teria que “combinar
com os russos” – como quem admite a hipótese, para lhe reconhecer a
dificuldade.
Como se sabe, com essa expressão o jogador
Garrincha teria desqualificado o plano tático do técnico da seleção brasileira para
um jogo contra a Rússia, na Copa de Futebol de 1958.
Então, mantido no cargo pela
Presidente da República, ato contínuo o Procurador Janot resolve arquivar
pedido de investigação contra ela, feito pelo Supremo Tribunal – sem para isso
ter de combinar com seu ninguém.
Aliás, já há algum tempo, julgamentos
contra corruptos do partido do governo no Supremo Tribunal Federal saíram da
desejável serenidade jurídica, corolário da normalidade democrática, para
entrar no vale-tudo das revoluções ideológicas.
Magistrados não podem acusar, nem defender,
e o que se viu, por exemplo, no julgamento do “mensalão”, semelhou o embate
entre um desesperado promotor de justiça e um cínico advogado de defesa, quando
o relator e o revisor da matéria polarizavam a discussão e se atacavam mutuamente.
Um juiz vogal não profere seu voto para
influenciar o colegiado, nem para vencer a causa, mas para exprimir a sua própria
cognição sobre a matéria e fundamentar o seu convencimento pessoal, até porque,
normalmente, se o julgamento de uma ação é sempre um jogo de perde e ganha para
as partes litigantes, não pode sê-lo entre os membros de um tribunal superior.
Agora tudo se repete, quando o Ministro Relator
de uma ação que envolve interesses do governo baseia seu voto denegatório na
teleologia política malsã que entrevê na pretensão do autor da causa, faz um
discurso ético-moralista ao longo de cinco horas, e por duas vezes abandona o
Tribunal para não ouvir contrariedades.
Depois, desveste a toga e se posiciona como
mero cidadão, para afirmar, falando à imprensa, que agiu assim porque o País,
afundado em corrupção sistêmica nas esferas mais altas da administração pública,
vive uma nefasta “cleptocracia”, portanto submetido neste momento a um governo
de ladrões.
Pessoalmente não discordava da tese
esposada com bravura pelo ex-Ministro Joaquim Barbosa ao julgar o
mensalão, e abono as preocupações de
Gilmar Mendes, que votou pela manutenção do financiamento privado de campanha,
contrariando a OAB que impetrou a ação, com a simpatia do PT. Afinal, nós já
aprendemos que quando esse partido é a favor de uma tese, a causa não é confiável.
Também me concita a consciência a
observação de que o financiamento privado de campanhas políticas seja deletério,
entretanto já tinha refletido sobre a possibilidade de que a sua proibição
neste momento, com a torcida do PT, poderia ser como fechar a porta da casa com
o ladrão já dentro dela, conforme denuncia o Ministro Gilmar.
Penso que, a rigor, financiamento de campanha deveria ser exclusivamente público, porém absolutamente limitado. Nada de impressos e de comícios, muito menos saturação publicitária de rádio e TV, que não tem sentido vender candidato como refrigerante e sabonete. Bastaria espaço idêntico na mídia para a exposição da vida pregressa e dos planos de governo. No mais, apenas debates ao vivo para a desmistificar os canastrões.
Mas o que me preocupa neste momento é a constatação óbvia
de que a crise brasileira é tão grave que está tirando dos trilhos a locomotiva
da República, à medida que entidades espúrias ameaçam a Nação impunemente, e estamentos oficiais perdem as estribeiras e partem
para a luta de foice contra a impostura política – ou a favor dela – o que aponta, sim, para a
anormalidade democrática.
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