NEM TANTO AO CÉU NEM
TANTO AO MAR
Por Paulo Maria de Aragão (*)
Haverá maior descaro do que perceber
vencimento, inclusive por meio de um procurador, sem sequer ficar visível nas
repartições? Sócrates, o filósofo ateniense, dizia: “Quem não quer trabalhar tem
a intenção firme de viver do roubo ou da esmola”. Na escola primária, já se
ensinava que “A ociosidade é mães de todos os vícios”.
Nada é mais natural que as
obrigações sejam exercidas com diligência e assiduidade, sob
pena de configurar ato desidioso, seja nas relações celetistas, seja nas
estatutárias. O contrato é lei entre as partes, implica concessões recíprocas
que, violadas, autorizam a sua resolução.
Nesse contexto, gestores dão de
ombros para os princípios constitucionais da administração pública. Dada a
enxurrada de desmandos, indefesos administrados bancam mordomias e valores
desviados diante da remota possibilidade de recuperação.
Ora, como esperar zelo com o
patrimônio e com o erário quando os responsáveis transigem
com fraudes impudentes e gigantescas no governo? A eficiência
é uma carta fora do baralho no jogo dos gestados, curtidos nos conchavos
manipulados pela corrupção - cargos são distribuídos conforme critérios
político-partidários.
Assim, entes públicos transformam-se
em “capitanias hereditárias”, partilhando-se cargos comissionados entre os três
poderes, em flagrante burla ao processo seletivo de modo amplo e democrático -
corolário do princípio isonômico. Desse modo, os “donatários” consolidam o
pacto do esbulho da máquina estatal. Ora, na forma estampada pela imprensa,
como admitir que, ainda hoje, 40% dos cargos públicos sejam comissionados
(ocupados por indicação), e dos 60% restantes, 20% sejam de pessoas contratadas
sem concurso?
Ilustre-se, por atemporal, a proeza
do audaz soldado no antigo Império Romano; estritamente fiel e rigoroso às
obrigações, morreu de pé no seu posto, enquanto a cidade se sepultava nas
cinzas ardentes do Vesúvio, dois mil anos atrás. Não ocorreu como lenda o alucinante ato da sentinela, mas de real exemplo do
indesviável cumprimento do dever, embora tenha excedido os limites da
razoabilidade.
Porém, excessos à parte, ação boa ou
digna mantém-se coerente com o imperativo categórico kantiano: uma norma tem
por fim último e único manifestar o dever consciente, moralmente obrigatório.
*Paulo Maria de Aragão
Advogado e Professor
Titular da Cadeira
de nº 39 da ACLJ
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