sexta-feira, 25 de outubro de 2013

CRÔNICA

NEM TANTO AO CÉU NEM TANTO AO MAR
Por Paulo Maria de Aragão (*)

Haverá maior descaro do que perceber vencimento, inclusive por meio de um procurador, sem sequer ficar visível nas repartições? Sócrates, o filósofo ateniense, dizia: “Quem não quer trabalhar tem a intenção firme de viver do roubo ou da esmola”. Na escola primária, já se ensinava que “A ociosidade é mães de todos os vícios”.

Nada é mais natural que as obrigações sejam exercidas com diligência e assiduidade, sob pena de configurar ato desidioso, seja nas relações celetistas, seja nas estatutárias. O contrato é lei entre as partes, implica concessões recíprocas que, violadas, autorizam a sua resolução.

Nesse contexto, gestores dão de ombros para os princípios constitucionais da administração pública. Dada a enxurrada de desmandos, indefesos administrados bancam mordomias e valores desviados diante da remota possibilidade de recuperação.

Ora, como esperar zelo com o patrimônio e com o erário quando os responsáveis transigem com fraudes impudentes e gigantescas no governo? A eficiência é uma carta fora do baralho no jogo dos gestados, curtidos nos conchavos manipulados pela corrupção - cargos são distribuídos conforme critérios político-partidários.

Assim, entes públicos transformam-se em “capitanias hereditárias”, partilhando-se cargos comissionados entre os três poderes, em flagrante burla ao processo seletivo de modo amplo e democrático - corolário do princípio isonômico. Desse modo, os “donatários” consolidam o pacto do esbulho da máquina estatal. Ora, na forma estampada pela imprensa, como admitir que, ainda hoje, 40% dos cargos públicos sejam comissionados (ocupados por indicação), e dos 60% restantes, 20% sejam de pessoas contratadas sem concurso?

Ilustre-se, por atemporal, a proeza do audaz soldado no antigo Império Romano; estritamente fiel e rigoroso às obrigações, morreu de pé no seu posto, enquanto a cidade se sepultava nas cinzas ardentes do Vesúvio, dois mil anos atrás. Não ocorreu como lenda o alucinante ato da sentinela, mas de real exemplo do indesviável cumprimento do dever, embora tenha excedido os limites da razoabilidade.

Porém, excessos à parte, ação boa ou digna mantém-se coerente com o imperativo categórico kantiano: uma norma tem por fim último e único manifestar o dever consciente, moralmente obrigatório.

*Paulo Maria de Aragão
Advogado e Professor
Titular da Cadeira
de nº 39 da ACLJ

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