A apresentação da obra foi feita
pelo acadêmico Reginaldo Vasconcelos, que em sua fala levantou a tese de que
esse livro, de 92 páginas, com 70 poesias, cuja primeira edição é de 1983,
não é apenas um livro, mas um verdadeiro rio de lirismo.
Cada um dos poemas que compõem a obra
aborda, em bela linguagem conotativa, aspectos da Região Jaguaribana, com
referências semióticas ou subliminares à sua ambiência cultural. Trata-se,
portanto, de uma joia rara, de uma preciosa gema poética, que a editora Armazém
da Cultura resolveu relapidar. Abaixo, a íntegra do discurso.
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"Luciano Nunes Maia,
nas artes, Luciano Maia. Discípulo de Thomaz Pompeu na Academia Cearense de
Letras, nosso confrade na Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Todos vós
conheceis. É o único poeta em tempo integral que conhecemos. Jurista,
jornalista, professor, diplomata, acadêmico de letras, sua lírica não lhe vem
em lampejos, como acontece com a inspiração dos poetastros menores, e mesmo com
o estro refinado de outros bardos, de verve rara e regular.
Luciano tem poesia perene,
seja na estação das águas, quando o seu rio temporário vira caudal e se
encrespa, seja na vazante do estio, quando o leito é pedra e poça, seja no
vazio da seca, quando o Jaguaribe se revela tão-somente areia e folhas.
Agora ele me pede para
vos falar de um livro seu, quando o que tenho para vos apresentar não é um
livro exatamente, por mais que com um livro se pareça. Aliás, dificilmente um
livro é um livro, mero objeto produzido com papel, e tinta, e cola. Um livro
geralmente é um universo de sensações cristalizadas.
Mas este livro do Luciano,
em especial, é luz ciano, a luz verdazul dos raios de sol que se infiltram na
folhagem catingueira, para se refletirem nas águas fugidias da corrente. É som
de viola de uma cantoria cabocla ouvida ao longe, com seus acordes mouriscos
sincretizados nos sertões, entre balidos de ovelhas e lamentos de anuns
brancos. Aboio de vaqueiro valente entre toques de chocalhos, como em Jader de
Carvalho, ou, como em Nertan Macedo, o silêncio de um cangaceiro ferido e amoitado,
na expressão de Demócrito Rocha, “morrendo
e resistindo”.
Este livro é cheiro de
café torrado em casa, odor de velame e mufumbo recendendo ao sol, gosto de
leite mungido matineiro ainda servido no curral. Não. Isso aqui não é um livro.
Isso aqui é infância sertaneja e ribeirinha, liofilizada em fibra de papel e
pigmento. É canto de lavadeira à beira d’água, risadaria de moças sertanejas se
banhando nuas, é cheiro de sola da selaria suada, é tropel de cavalos
patanhando nas veredas.
Não vos posso descrever
um livro que não é um livro, mas uma torrente de lembranças sinestésicas, uma
rapsódia líquida e telúrica, um flume poético que já flui há 30 anos, desde a
sua primeira edição, se fazendo passar por um modesto centifólio. Não vos posso
enganar. Isso aqui não é um livro. É uma ode, é um hino, é uma mazurca, enfim, uma
contradança de memórias.
Talvez isso aqui seja
um pomar onírico, cultivado à beira-rio pela Iracema de Alencar, repleto de 70 gostosos
frutos acres, como mutamba e tamarindo,
canapum e carnaúba. Pode ser também um favo de mel de jandaíras, ou uma fogueira
em noite pintalgada de estrela e vaga-lume. O que não pode ser é um simples
livro. Livro qualquer um faz. Eu mesmo
fiz alguns. Disfarçado assim isso é um rio, o Jaguaribe, com toda a sua
ambiência e geografia, em que o poeta diluiu sua alma astutamente, para nele se
imortalizar, para sempre, em seus eternos ciclos hídricos."
Reginaldo Vasconcelos
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