quarta-feira, 22 de maio de 2013

O LIVRO QUE É UM RIO



A editora Armazém da Cultura, comemorando seu aniversário de 30 anos, lançou a 10ª edição do Livro de poemas “JAGUARIBE - Memória das Águas”, do confrade Luciano Maia, nesta terça-feira,  dia 21 de maio, às 19:00h, no Auditório Murilo Aguiar, da Assembleia Legislativa do Ceará.


A apresentação da obra foi feita pelo acadêmico Reginaldo Vasconcelos, que em sua fala levantou a tese de que esse livro, de 92 páginas, com 70 poesias, cuja primeira edição é de 1983, não é apenas um livro, mas um verdadeiro rio de lirismo.

Cada um dos poemas que compõem a obra aborda, em bela linguagem conotativa, aspectos da Região Jaguaribana, com referências semióticas ou subliminares à sua ambiência cultural. Trata-se, portanto, de uma joia rara, de uma preciosa gema poética, que a editora Armazém da Cultura resolveu relapidar. Abaixo, a íntegra do discurso.
........................................................................................................

"Luciano Nunes Maia, nas artes, Luciano Maia. Discípulo de Thomaz Pompeu na Academia Cearense de Letras, nosso confrade na Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Todos vós conheceis. É o único poeta em tempo integral que conhecemos. Jurista, jornalista, professor, diplomata, acadêmico de letras, sua lírica não lhe vem em lampejos, como acontece com a inspiração dos poetastros menores, e mesmo com o estro refinado de outros bardos, de verve rara e regular.

Luciano tem poesia perene, seja na estação das águas, quando o seu rio temporário vira caudal e se encrespa, seja na vazante do estio, quando o leito é pedra e poça, seja no vazio da seca, quando o Jaguaribe se revela tão-somente areia e folhas.

Agora ele me pede para vos falar de um livro seu, quando o que tenho para vos apresentar não é um livro exatamente, por mais que com um livro se pareça. Aliás, dificilmente um livro é um livro, mero objeto produzido com papel, e tinta, e cola. Um livro geralmente é um universo de sensações cristalizadas.

Mas este livro do Luciano, em especial, é luz ciano, a luz verdazul dos raios de sol que se infiltram na folhagem catingueira, para se refletirem nas águas fugidias da corrente. É som de viola de uma cantoria cabocla ouvida ao longe, com seus acordes mouriscos sincretizados nos sertões, entre balidos de ovelhas e lamentos de anuns brancos. Aboio de vaqueiro valente entre toques de chocalhos, como em Jader de Carvalho, ou, como em Nertan Macedo, o silêncio de um cangaceiro ferido e amoitado, na expressão de Demócrito  Rocha, “morrendo e resistindo”.  

Este livro é cheiro de café torrado em casa, odor de velame e mufumbo recendendo ao sol, gosto de leite mungido matineiro ainda servido no curral. Não. Isso aqui não é um livro. Isso aqui é infância sertaneja e ribeirinha, liofilizada em fibra de papel e pigmento. É canto de lavadeira à beira d’água, risadaria de moças sertanejas se banhando nuas, é cheiro de sola da selaria suada, é tropel de cavalos patanhando nas veredas.

Não vos posso descrever um livro que não é um livro, mas uma torrente de lembranças sinestésicas, uma rapsódia líquida e telúrica, um flume poético que já flui há 30 anos, desde a sua primeira edição, se fazendo passar por um modesto centifólio. Não vos posso enganar. Isso aqui não é um livro. É uma ode, é um hino, é uma mazurca, enfim, uma contradança de memórias.

Talvez isso aqui seja um pomar onírico, cultivado à beira-rio pela Iracema de Alencar, repleto de 70 gostosos frutos acres, como mutamba e tamarindo,  canapum e carnaúba. Pode ser também um favo de mel de jandaíras, ou uma fogueira em noite pintalgada de estrela e vaga-lume. O que não pode ser é um simples livro.  Livro qualquer um faz. Eu mesmo fiz alguns. Disfarçado assim isso é um rio, o Jaguaribe, com toda a sua ambiência e geografia, em que o poeta diluiu sua alma astutamente, para nele se imortalizar, para sempre, em seus eternos ciclos hídricos."

Reginaldo Vasconcelos

Nenhum comentário:

Postar um comentário