Ó VIRGEM MARIA! SANTA MARIA...
A fumaça
dispersa deu sinal de fogo. Os agitos e as alegrias daquela noite enganadora
abafam-se pelo sepulcral manto da morte. Adolescentes asfixiados e espremidos
debatem-se como um pássaro numa armadilha. Tomados pelo pânico, tentam
salvar-se a qualquer custo; sufocados, pisoteiam-se ante os horrores.
Centenas de
jovens agonizam e, logo,
vão a óbito pela inalação de gases tóxicos. Amontoado de corpos, amontoado de
sonhos de um amanhã promissor que os esperava, embalados pelo amor de pais e
mães, professores e amigos. A nação e o mundo prostram-se pela dor. Consumou-se
a tragédia de Santa Maria, que interrompeu tantas jovens vidas.
Resta à
sociedade, como sempre, exigir justiça e inadmitir a impunidade! Este é um dos
direitos de milhões de trabalhadores e contribuintes que desconhecem o
princípio da responsabilidade pública e o dever fundamental de garantir a
segurança social. Morte, morte, morte! Isso já faz parte do cenário cotidiano,
consequentemente se despreza uma das verdades teleológicas: Aos olhos de Deus, a vida
humana é o maior valor sobre a face da terra.
Mas, dissociado
desse majestático ensinamento, o Estado encarna a negligência, a sanha
arrecadatória e a gastança estimulada pelos ardis de famigerados agentes da
corrupção. A sociedade permanece doente, despida de valores éticos e morais,
regida pela impunidade que
alimenta o desrespeito às leis.
A preocupação
com o lucro é indisfarçável. Na boate Kiss, no início do tumulto, as pessoas não
podiam sair, impedidas por seguranças, que não lhes permitiam deixar o recinto
sem antes pagar o consumo. Salvadores, decerto, teriam sido os segundos
perdidos. Injustificável é o seu funcionamento com a isenção de alvará. Nossa
mentalidade, a mentalidade nacional, resistente a mudanças é preocupante.
O
Ministério Público do Rio Grande do Sul, em 07 de julho de 2011, havia pedido
uma vistoria sanitária e a situação do plano de combate a incêndio da casa
noturna. O documento foi firmado pelo promotor público João Marcos Adede y
Castro, aposentado em dezembro último. Sua denúncia nasceu de pedidos dos
próprios bombeiros porque, após as visitas, os proprietários não obedeciam às
exigências feitas.
Cadê, portanto a
fiscalização dos órgãos envolvidos na tragédia? É inaceitável a conjugação do
conhecimento do risco e da negligência no exercício do poder de polícia. Por
trás desse infortúnio, estão os abutres da corrupção, os empresários que não
querem gastar dinheiro em segurança e a inexistência de pressões significativas
por parte do governo. Conta-se que, a
exemplo de muitos outros tristes casos que caem no esquecimento coletivo – este
seja mais um a ilustrar o cotidiano brasileiro.
A nação vai
soçobrando na lama da degradação moral, ética e política Para que valem as
centenas de milhares de leis que se definham por falta de aplicadores?
Precisamos limitar os limites e punir
os que não os cumprem. Mesmo com julgadores probos, competentes e destemidos
que cumpram o dever de magistrado, a partir das mais altas esferas do País,
precisaremos apreender o sentido de uma mentalidade voltada ao bem coletivo.
Nisso pode envolver-se a universidade.
A Universidade
que perdeu tantos futuros valores também está de luto. Sua missão reparadora
pode ser a de ensinar que as leis não podem e não devem ser burladas. Elas
são universais e permeiam todas as esferas. Desde cedo
disciplinar o jeitinho brasileiro, do
qual tanto nos envaidecemos, é obra de educadores. Enganar, mentir, furtar,
ludibriar, corromper, cooptar para o ilícito, são caminhos que devemos
abandonar todos eles distantes das noções do homem cordial do qual nos fala Sérgio Buarque de Holanda.
As dores e as
angústias ora vividas na cidade universitária de Santa Maria integram o
pesadelo da nossa falta de limites e observância às leis. Ó Virgem
Maria, minha Santa Maria, como isso aconteceu?
Por Paulo Maria de
Aragão
Advogado e professor
Cadeira de Nº 37 da
ACLJ
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