Uma
parada
na
rota do meu rumo
JB Serra e Gurgel*
Meu melhor momento no Rio de Janeiro foi quando trabalhei com Ibrahim Sued. Diziam isso e aquilo sobre ele, mas, para mim, ele foi um pai. Não tenho nada a reclamar. Sempre me tratou com dignidade e respeito. Exigia notas “off the records”, “em primeira mão”, “bomba-bomba”, com identificação de fonte. Chegava cedo ao escritório na Rua Siqueira Campos, 43, sala 836, onde me esperavam dois telefones, 2376850 e 236 5212, e um “sebo”. Tinha que falar com meio mundo em Brasília via telefonista, com muita demora.
Todo mundo queria ser informante de Ibrahim. Isto me facilitou a missão. Assim, no Senado a fonte era o Senador Gilberto Marinho, Presidente. Na Câmara, o Deputado José Bonifácio, Presidente. No Supremo, o Ministro Luís Galotti, Presidente. Na Academia de Letras, Pedro Calmon, Presidente. Todos amigos dele. No Itmaraty, os embaixadores Maury Gurgel, Donatello Griecco, Italo Zappa, idem.
Ainda na Academia Brasileira de Letras: Josué Montello, Gilberto Amado, Guimaraes Rosa, Peregrino Júnior, Ivan Lins, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Isaac Karabtchevsy. A elite empresarial do Rio de Janeiro era fonte.
Ministros de Estado e dos Tribunais Superiores; procuradores, juízes, senadores, deputados, do governo e da oposição – todos os seus assessores de imprensa queriam ser fontes.
Oscar Ornstein era informante de personalidades, pois era o poderoso gerente do Hotel Copacabana Palace.
Eu não procurava o high socitety, que ficava por conta de Fernando Carlos de Andrade, irmão de Evandro Carlos de Andrade, que foi editor de O globo e diretor da Rede Globo, também sócio de Ibraim em objetos de arte. Tiveram uma galeria em Ipanema.
Pintores famosos lhe levavam quadros, para que ele desse nota na sua coluna. Muitas dessas pinturas ficaram comigo. Eles saíam do escritório, Ibrain dava a nota e me dava os quadros. Fui o amigo de um que nunca foi ao escritório, Orlando Teruz. Este me deu um miniquadro, que fui buscar no seu atelier. Foi muito útil, pois não tendo como dar sinal em dinheiro para compra de um apartamento em Niterói, dei o miniquadro. Teruz me repôs com um desenho.
Ibrahim chegava ao escritório, lia os recortes do Lux Jornal, jogava os papéis lidos no chão. Lia livros jogando as páginas lidas no chão. Não esquentava a cabeça com os xingamentos de Stanislaw Ponte Preta, a quem respondia com seu clássico bordão: “ladram os cães, e a caravana passa”. Ou: “cavalo não desce escada”. Depois pegava um livro de pensamentos, tirava um deles e punha na boca de alguém. Certo dia, o embaixador Gilberto Amado ligou para o escritório querendo falar com ele, muito aborrecido. Ibrahim colocara na sua boca um pensamento que não se coadunava com sua pessoa. Ligou várias vezes, Ibrahim não o atendeu.
Ibrahim ficava feliz quando chegava ao escritório e pedia que eu pusesse o Presidente Costa e Silva na linha. Eu ligava para o Major Lair de Almeida, Ajudante de Ordens, e dizia que Ibrahim queria falar com o Presidente. Rapidamente o Major punha o Presidente na linha e eu falava: “Ibraim! O Presidente”. Ele ficava muito tempo ao telefone, comentando coisas do dia-a-dia da política. Nunca falou com o Presidente Médici. Nunca falou com o Presidente Geisel.
Aos sábados, quando fechávamos a coluna de domingo e de segunda de O Globo, Ibrahim chegava depois das duas, sempre vermelhão do sol da piscina do Copacabana Palace. Contava suas vantagens e suas aventuras. Certa vez, pegou um taco de polo e tentou fazer uma jogada no escritório. Deu-se mal, pois a bola acertou um lustre e foi um susto.
O melhor momento de Ibrahim não foi quando lançou o seu livro “000 Contra Moscou”, mas quando foi eleito paraninfo de uma das primeiras turmas de comunicação da Universidade de Brasília. Elio Gaspari foi com ele a Brasília e ajudou a escrever a saudação.
Eu saía do escritório na semana às 16:30h, indo de ônibus para a TV Globo, na Gávea, a fim de falar com meio mundo, colhendo notícias para o seu programa, “Ibrahim Sued, o Repórter”. Foram muitas “bombas-bombas”. Guardo fotos do programa de despedida quando me apresentou ao distinto público...
Ibrahim me indicou a Joaquim Xavier da Silveira para um emprego na Embratur, ao Governador Raimundo Padilha para um emprego na Flumitur, e ao Paulo Cesar Ferreira para um “bico” com o Ministro Delfim Neto – que se transformou num emprego com Carlos Alberto de Andrade Pinto no Embratur/IBC.
Certo dia me inscrevi para comprar um fusca na Caixa. Não sabia nem dirigir. Falei para ele que fora sorteado, mas não podia pegar o carro, pois não tinha a entrada. No outro dia ele chegou com um envelope com o valor da entrada e me disse: “Vá pegar seu carro”. Fui pegar o carro com um amigo que o levou para garagem em Niterói.
Num determinado momento ouvimos, eu e o Fernando, que ele atendia muitos telefonemas do Dr. Roberto Marinho. Percebemos que o Dr. Roberto o aconselhava a manter o casamento com Dona Glorinha Sued, mãe de seus filhos, de quem fora padrinho do casamento. Vida que segue, Ibrahim foi em frente seu destino e o Dr. Roberto se separou da mulher, Dona Stela, e acabou se casando com Dona Lyli, que fora sua namorada na juventude e que fora casada com Horácio Carvalho, dono do Diário Carioca.
Quando andava de taxi comigo, se era reconhecido, não gostava. Pagava suas contas no restaurante onde almoçávamos juntos. Não aceitava cortesia.
No natal recebia muitos presentes, eu mesmo ganhava dele muitas cestas que levava para Niterói.
Apoiou-me quando da minha ida para Brasília, indicado por Elio Gaspari e Evandro Carlos de Andrade, para assessorar o Nascimento Silva. O Nilo Dante indicou o Ricardo Boechat para me substituir.
Quando Ibrahim ia à Brasília eu era seu motorista, do aeroporto para o hotel e do hotel para onde fosse. Continuei como informante da coluna, em admiração ao mestre, ao líder, ao colunista, a quem me acolheu com humanidade na parada do meu rumo.
Nota do Editor
O jornalista cearense João Bosco Serra e Gurgel foi proposto à quadraginta numerati da ACLJ pelo confrade Fernando César Mesquita, tendo sido eleito e com posse prevista para o dia 04 de maio próximo, na Cadeira de nº 23. Nessa crônica de estreia ele fala de sua longa convivência jornalística com um dos primeiros e mais famosos cronistas sociais do Brasil, o carioca Ibrahim Sued (1924-1995).
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