NACIONALISMO
E
COSMOPOLITISMO
Rui Martinho Rodrigues*
Nacionalismo e cosmopolitismo têm raízes profundas. Não confundir, respectivamente, com xenofobia e internacionalismo, apesar de se relacionarem. O nacionalismo é parente do etnocentrismo e do tribalismo, embora conflitem. Tribo é um conjunto com língua, história e costumes comuns. O neotribalismo de que fala Michel Maffesoli (1944 – vivo) é uma manifestação contemporânea dos que se percebem conectados por alguma razão. Metaleiros, góticos e certos grupos de motoqueiros são exemplos de tribos urbanas. O nacionalismo guarda certa semelhança com uma espécie de grande tribalismo, unido pela história, língua, a cultura. Grupos identitários enfraquecem o supergrupo nação.
O cosmopolitismo considera a humanidade como um todo, acima dos estados nacionais, a frente das tradições, valorando prioritariamente as contribuições da modernidade e da tecnologia. Salvar o planeta, integrar as economias com os benefícios da escala e das trocas mutuamente vantajosas demonstradas por David Ricardo (1772 – 1823) e o livre fluxo de pessoas pelas fronteiras são exemplos do cosmopolitismo convertido em globalismo. Dualistas reconhecem limites e contribuições do cosmopolitismo, como a proteção necessária aos grupos vulneráveis, menos competitivos e a necessidade de algumas barreiras.
O internacionalismo é uma expressão política. O marxismo, em suas origens, tinha nele uma de suas linhas principais. A fraternidade entre trabalhadores estaria acima das nações. A Primeira Guerra Mundial não aconteceria. Proletários não matariam uns aos outros pela burguesia. A conflagração aconteceu. Sobreveio o cisma entre os revolucionários. Parte deles entendeu que deveria recorrer ao nacionalismo para obter apoio político e conquistar o poder.
Um dos líderes do Partido Socialista Italiano (PSI) seguiu esta nova linha: Benito Mussolini (1883 – 1945), que era editor do Jornal do PSI, liderou a nova corrente, transitando do internacionalismo para o nacionalismo. Trocou o conflito de classe pela ideia de união da sociedade como um feixe mais forte do que um graveto isolado. Nascia o fascismo. Giovanni Gentile (1875 – 1944), grande nome do neoidealismo filosófico, ofereceu a base teórica do fascismo. Nacionalismo e internacionalismo nem sempre são muito diferentes. A evolução do internacionalismo para o nacionalismo atendia a um mesmo fim: obter apoio para conquistar o poder. O internacionalismo não funciona? Então o nacionalismo serve.
Interesses econômicos e políticos se agregam ao internacionalismo e ao nacionalismo. O argumento das vantagens comparativas do livre comércio é usado seletivamente. Países industrializados defendiam o livre comércio (internacionalismo) quanto aos bens industriais e o protecionismo (nacionalismo) quanto aos produtos agrícolas e outros produtos primários.
Argumentos podem ser pretextos, instrumentos do poder político (ideologia); ou econômico (pragmatismo). Revolucionários eram internacionalistas. Mas as lutas da descolonização tornaram oportuno explorar o nacionalismo, que como toda paixão, não prima por ser racional. O nacionalismo pode ser a última trincheira dos oportunistas e a última ilusão dos ingênuos. O internacionalismo defende a cooperação política e econômica entre os estados nacionais; o cosmopolitismo é a orientação filosófica que coloca a fraternidade humana acima das fronteiras nacionais. Ambos se prestam ao oportunismo demagógico.
Ao romper com os limites dos estados nacionais o cosmopolitismo e o internacionalismo se afastam das tradições, da preservação dos costumes e da cultura. Mas tornou-se oportuno explorar as paixões ligadas a estes aspectos. Revolucionários passaram a defender tradições de grupos identitários (particularismo), até inventando costumes e “congelando” povos no período neolítico (idade da pedra polida), negando o acesso ao conforto da modernidade como “proteção”.
A integração econômica é globalização. Os internacionalistas no momento defendem o nacionalismo. Opõem-se à globalização. É oportuno denunciar a exploração imperialista. A defesa das culturas locais e das economias menos competitivas era convincente para muitos. A aldeia global (H. Marshall McLuhan, 1911 – 1980) era uma “ameaça”. Mas os herdeiros dos reis filósofos de Platão (428 a. C – 348 a.C.), prisioneiros da vontade de potência (Friedrich W. Nietzsche, 1844 – 1900) não enxergaram as vantagens comparadas de D. Ricardo. A globalização permitiu a retirada de seiscentos milhões de chineses da miséria e muitos milhões em outros países, mas lhes era conveniente reconhecer.
Os desenvolvidos queriam uma nova divisão internacional do trabalho: produziriam conhecimento e os bens tangíveis seriam produzidos no terceiro mundo. Mão de obra barata e incentivos fiscais favoreciam a nova divisão do trabalho. Mas técnicos dos países subdesenvolvidos não trabalhavam de olhos vendados. E a China não respeitou a propriedade intelectual e assimilou o conhecimento do primeiro mundo. O declínio demográfico dos países desenvolvidos exigiu a importação de mão de obra qualificada. Então abriram suas universidades aos estudantes do terceiro mundo. Esperavam que eles ficassem, atraídos por altos salários e qualidade de vida.
As famílias dos estudantes chineses permaneceram na China, como reféns. Eles voltaram. Não só a China passou a produzir conhecimento. A hegemonia do primeiro mundo perdeu a primazia no comércio de bens, como fonte de investimentos e financiamento, suplantada pela China. O poder suave tem novos concorrentes. A salvação do planeta, antes conveniente para transferir empresas visando mão de obra barata e de incentivos fiscais, agora serve também para violar a soberania dos estados nacionais.
O primeiro mundo está diante da impossibilidade contábil de manter o Estado do Bem-estar. Tropeçou na dívida, a despeito a elevada carga tributária e dos ganhos de produtividade. Precisa voltar a controlar o terceiro mundo com o neocolonialismo (globalismo). Governança mundial, defesa da paz, do planeta, controle dos fluxos do dinheiro da corrupção, do terrorismo, do tráfico de armas e de pessoas são o novo “fardo” do messianismo secular. Rudyard Kipling (1865 – 1936), na obra “O fardo do homem branco”, exalta o imperialismo como ônus da “missão civilizadora” (saqueando, escravizando e explorando?). Hoje a missão salvadora tem a lista supracitada de causas meritórias. Torpeza e virtude podem andar de mãos dadas.
“O mundo não tem mais tempo a perder”, coletânea coordenada por Sacha Goldman, com prefácio de Fernando Henrique Cardoso, defende o abandono dos princípios consagrados em Vestfália (1648): o respeito à soberania dos estados nacionais e a igualdade interestatal. Religião, Filosofia e Direito únicos, firmados por um poder supranacional. Extinguiria a liberdade de consciência e de expressão. Lembra a obra de Immanuel Kant (1724 1804) “A paz perpétua: um esboço filosófico”. Mas o filósofo de Königsberg fez cogitação filosófica, não projeto material, com o realismo necessário.
O globalismo, que antes era “teoria conspiratória”, agora é declarado explicitamente. Confederações e federações têm contradições cuja solução favorece os mais fortes. A governança mundial é assimétrica. A Convenção Americana de Direitos humanos, de São José da Costa Rica, é assinada pelos países das américas, menos pelo Canada e EUA que a estimularam. O controle supranacional não vale para os fortes. É maquiavélico. Não precisa ter virtude, basta aparentar virtude.
Nenhum comentário:
Postar um comentário